Mesmo que para a cultura indígena uma menina de 12 anos engravidar seja algo perfeitamente normal, ela não pode receber salário-maternidade, porque o benefício, pago a quem contribui com a Previdência, só abrange maiores de 16 anos. Esse foi o raciocínio feito pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região para, no último dia 30 de março, cassar uma liminar concedida a pedido do Ministério Público Federal pela Justiça Federal de São José dos Campos, e desobrigar o Instituto Nacional do Seguro Social de oferecer os auxílios.
Discutida em uma Ação Civil Pública ajuizada na 3ª Vara Federal do município, a questão pôs em lados opostos o MPF, em favor dos moradores da Terra Indígena Guarani Ribeirão Silveira, e o INSS, representado pela Procuradoria Seccional Federal da Advocacia-Geral da União. De acordo com o INSS, a Constituição Federal não permite que menores de 16 anos trabalhem, a não ser na condição de aprendizes, a partir dos 14 anos. Por isso, não seria possível a concessão do salário-maternidade para indígenas entre 12 e 16 anos de idade, como pedido na Ação Civil Pública.
Os índios, no entanto, não estariam enquadrados como segurados regulares, mas sim como segurados especiais, na categoria de trabalhadores rurais, como entende o MPF. Pelo fato de terem proteção garantida pela Constituição, inclusive à sua cultura, os índios teriam direito ao privilégio.
Embora tenha concordado em parte com o argumento do Ministério Público, a desembargadora Marisa Santos entendeu que conceder o direito seria tratar com desigualdade outros trabalhadores rurais que também começam cedo a labuta. “Reconhecer à mulher indígena o direito ao salário-maternidade antes dos 16 anos de idade, ao fundamento do respeito à sua cultura, implicaria afrontar o direito de tantos que muito antes dessa idade trabalham na lavoura e não têm, a partir da EC 20, o reconhecimento da condição de segurados da previdência social”, disse a desembargadora.
O limite mínimo de 16 anos para o trabalho, exceto no caso de aprendizes com 14 anos, foi criado em 1998 pela Emenda Constitucional 20. Antes, o trabalho já foi permitido a partir dos 12 anos, e depois a partir dos 14, o que, na prática, não mudou a realidade nas lavouras, segundo Marisa Santos. “Embora a idade mínima para o trabalho tenha sido alterada pela Constituição, é público e notório que a realidade pouco mudou, apesar dos avanços socioeconômicos do país.”
A Previdência também questionou a legitimidade do MPF para o caso, já que benefícios previdencários não são direitos indisponíveis, de competência dos procuradores. Para a desembargadora, no entanto, é função do Ministério Público zelar pelos direitos dos índios, o que torna o órgão responsável para atuar no caso.
Fonte: CONJUR