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A aposentadoria por invalidez sob o aspecto social

Em uma interpretação constitucional e sistemática, a doutrina e a jurisprudência também têm avaliado a incapacidade do segurado do ponto de vista socioeconômico, haja vista as dificuldades encontradas na sua inserção no mercado de trabalho em decorrência da consideração de fatores preponderantes para a sua aceitação, tais como idade, grau de instrução e falta de qualificação.  Neste artigo, teceremos as considerações mais importantes acerca da avaliação social do segurado.

Com efeito, as condições socioeconômicas do segurado devem ser avaliadas na verificação da invalidez, a qual não deve se limitar à análise do aspecto fisiológico ou mental do periciando.

Este tem sido o entendimento da doutrina e da jurisprudência, uma vez que o artigo 42 da Lei n.º 8.213/91, ao dispor acerca da aposentadoria por invalidez, dá margem a uma interpretação ampla à incapacidade do segurado:


“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade de que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição”.

Nota-se que a lei, ao exigir que o segurado seja considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade de que lhe garanta a subsistência, não restringe a incapacidade do ponto de vista médico, e, onde a lei não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo.

Ademais, a legislação previdenciária está pautada no princípio da dignidade humana e da proteção social, razão pela qual a lei deve ser interpretada em favor do segurado, e, desse modo, suas condições socioeconômicas devem ser avaliadas.

Outrossim, a avaliação da situação do segurado deve ser considerada em todos os seus aspectos, pois o dinamismo do panorama social exige uma resposta adequada da lei, conforme  dispõe a Lei de Introdução às Normas Brasileiras, em seu artigo 5º:

“Art.5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Neste sentido:

“[…] A verificação da invalidez não se subsume à análise do laudo pericial, sendo, na realidade, fenômeno que também deve ser vislumbrado à luz das condições socioeconômicas do segurado. Portanto, pode o laudo indicar incapacidade total e parcial, fazendo crer que o segurado pode se habilitar a outra atividade. Neste caso, constatado que o segurado, pelas suas condições socioeconômicas (ex. não tem instrução suficiente para a realização de atividade intelectual e já se encontra em idade avançada para obter tal habilitação), não irá jamais se recuperar para a realização da mesma atividade (ex. de natureza braçal), deve ser concedida a aposentadoria por invalidez e não apenas o auxílio-doença”. Dr. Marcus Orione Gonçalves Correia, juiz federal da 1ª Vara Previdenciária de São Paulo – Capital.

Com o mesmo entendimento, a Turma Nacional de Uniformização decidiu:

1. A interpretação sistemática da legislação permite a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez se, diante do caso concreto, os fatores pessoais e sociais impossibilitarem a reinserção do segurado no mercado de trabalho, conforme livre convencimento do juiz que, conforme o brocardo judex peritus peritorum, é o perito dos peritos, ainda que não exista incapacidade total para o trabalho do ponto de vista médico. 1.1. Na concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, a incapacidade para o trabalho deve ser avaliada do ponto de vista médico e social. Interpretação sistemática da legislação (Lei n. 7.670/88; Decreto3.298/99; Decreto 6.214/07; Portaria Interministerial MPAS/MS Nº 2.998/01).  Processo: IUJ 200783005052586 PE, Relator(a): JUÍZA FEDERAL MARIA DIVINA VITÓRIA, Julgamento: 18/12/2008 Órgão Julgador: Turma Nacional de Uniformização, Publicação: DJU 02/02/2009. (grifo nosso).

Sem sombra de dúvida, a incapacidade para o trabalho constitui fenômeno multidimensional que deve ser avaliada em todos os aspectos, razão pela qual a jurisprudência tem aplicado, analogicamente, o conceito de incapacidade constante do artigo 4º, inciso III e artigo 16, §§ 1º e 2º do Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social:


“Art. . Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:

[…] III – incapacidade: fenômeno multidimensional que abrange limitação do desempenho de atividade e restrição da participação, com redução efetiva e acentuada da capacidade de inclusão social em correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente físico e social”;

“Art. 16. A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de incapacidade, com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde – CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde no 54.21, aprovada pela 54ª Assembleia Mundial da Saúde, em 22 de maio de 2001.

§ 1º. A avaliação da deficiência e do grau de incapacidade será composta de avaliação médica e social.

§ 2º. A avaliação médica da deficiência e do grau de incapacidade considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e a avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, e ambas considerarão a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades”.

Acerca da análise dos aspectos sociais na avaliação da incapacidade laborativa, assentada no mesmo entendimento, assim decidiu a juíza federal relatora Dra. Maria Divina Vitória:

“A incapacidade para o trabalho é fenômeno multidimensional e não pode ser avaliada tão-somente do ponto de vista médico, devendo ser analisados também os aspectos sociais, ambientais e pessoais. Há que se perquirir sobre a real possibilidade de reingresso do segurado no mercado de trabalho. Esse entendimento decorre da interpretação sistemática da legislação, da Convenção da OIT – Organização Internacional do Trabalho, e do princípio da dignidade da pessoa humana. A restrição ao idoso aliada ao estado de saúde do trabalhador, na prática, inviabilizam o seu retorno à atividade que lhe proporcione meios de subsistência, razão do deferimento da aposentadoria por invalidez”. (IUJEF n. 2005.83.00506090-2/PE, julgado em 17.12.2007).

Conclui-se, assim que, muito embora a perícia médica venha a apontar a possibilidade de exercício de atividade remunerada, outros elementos podem levar o juiz à conclusão de sua impossibilidade, em face da extrema dificuldade de inserção ou reinserção no mercado de trabalho, situação em que a negativa de concessão do benefício implica ofensa à dignidade humana.

Sem dúvida, seria um contrassenso a lei exigir a reabilitação profissional do segurado e, dada a sua tentativa frustrada de reinserção no mercado de trabalho, negar a concessão de um benefício por incapacidade, devendo-se dar, portanto, uma interpretação sistemática e extensiva aos dispositivos da legislação previdenciária que disciplinam as regras dos benefícios por incapacidade.

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