União desiste de temas tributários
Os contribuintes que discutem na Justiça pelo menos 22 temas tributários já julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF) de forma contrária à União podem ter seus direitos reconhecidos antes de fazerem o longo caminho até os tribunais superiores. Embora a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) esteja desobrigada de recorrer apenas para os temas já presentes em súmulas vinculantes do Supremo, o órgão editou um parecer interno inédito que permite aos seus dois mil procuradores desistir de recursos para os assuntos que já tenham sido julgados de forma favorável aos contribuintes em recursos repetitivos no STJ ou em repercussão geral no Supremo.
Com a medida, milhares de processos podem ser finalizados na instância em que estiverem, sem que haja recurso ou contestação da procuradoria. Dentre os temas que a PGFN deve deixar de recorrer estão os processos que envolvem o alargamento da base da cálculo do PIS e da Cofins. Neste caso, o Supremo já decidiu em favor dos contribuintes. No STJ, por exemplo, os ministros decidiram por meio de de recurso repetitivo que os sócios só podem ser responsabilizados por dívidas das empresas quando existir prova de que cometeram atos ilícitos no cargo.
O órgão também pode deixar de questionar as situações em que a empresa oferece garantia judicial antes do início do processo de execução fiscal para obter a Certidão Negativa de Débitos (CND). Até então, a PGFN tentava evitar essa possibilidade. A procuradoria também deve admitir que a citação por edital – por meio de publicação em jornal de grande circulação – só pode ser utilizada quando todas as outras possibilidades para localizar a parte já tenham sido esgotadas, conforme decidido pelo STJ em recurso repetitivo.
O novo parecer da PGFN também autoriza que os procuradores abram mão de recorrer de temas consolidados nos tribunais superiores. O órgão deve editar no prazo máximo de 60 dias uma lista com as discussões que entende já estarem pacificadas.
A iniciativa da procuradoria, além de acelerar a tramitação dos processos, deve reduzir consideravelmente a quantidade de recursos nos tribunais. “Em tese poderíamos continuar recorrendo, já que a lei não nos veda essa possibilidade. Porém, em face dos princípios da eficiência, não seria razoável gastar nossas forças com processos já fadados ao insucesso e deixar de focar nos que têm chance de êxito”, afirma o procurador-geral adjunto da PGFN, Fabrício Da Soller. Para ele, o parecer é um marco na atuação da Fazenda Nacional. “Sempre recebemos a crítica de que a União é a grande demandante na Justiça Federal e que interpõe recursos protelatórios. O que não é verdade e está demonstrado nesse parecer.” Ele afirma que essa orientação interna dirigida aos procuradores deve trazer ” uma grande revolução no modo como a advocacia pública se comporta diante do Judiciário”.
Segundo o parecer nº 492, de 22 de março, para que os procuradores desistam de recorrer nos casos de repercussão geral e recurso repetitivo não será necessária a edição de atos declaratórios da PGFN autorizando a desistência em cada caso. Após o julgamento do tema, o procurador já está autorizado a desistir, desde que redija uma nota para justificar internamente o motivo de não interpor recurso no processo.
Ocorrerá, porém, algumas exceções com relação à desistência de recursos, para as quais os procuradores serão orientados a prosseguir com a discussão. Um dos casos, segundo Da Soller, é a discussão sobre a repetição de indébito tributário tratado na Lei Complementar nº 118. Embora o STJ tenha decidido contra o Fisco, como o caso ainda será julgado em repercussão geral no Supremo, os procuradores devem continuar a tentar reverter esse posicionamento na Corte Suprema.
A medida tem sido elogiada no meio jurídico. Ao tomar conhecimento do parecer, o presidente da da 1ª Seção do STJ, ministro Teori Zavascki, elogiou a medida. “Essa portaria está fundada nos postulados da segurança jurídica e da previsibilidade das decisões judiciais. A concretização desses postulados, que é um anseio social evidente, é fator decisivo na redução do grau de litigiosidade”, afirmou.
Para o advogado Maurício Faro, do Barbosa, Müssnich & Aragão, é a primeira vez que a PGFN utiliza critérios como a “otimização de recursos” e abre novas perspectivas para não recorrer. O advogado Diogo Ferraz, do Avvad, Osorio Advogados, diz estar surpreso com a medida, principalmente da desistência de recursos em temas apenas com jurisprudência pacificada. “Isso mostra o compromisso da Fazenda Nacional em desafogar o Judiciário. Iniciativa que deveria inspirar as demais procuradorias”, afirma. Para ele, questões como a responsabilidade dos sócios e a prescrição da cobrança fiscal feita pela União devem movimentar um grande número de processos.
O advogado Ronaldo Corrêa Martins, do Martins & Salvia Advogados, relembra que a manutenção desses recursos teria efeitos meramente protelatórios, “onerando sobremaneira o já anacrônico sistema judicial brasileiro”. Para ele, como a PGFN deve estar em sintonia com o princípio da moralidade administrativa, previsto na Constituição, o parecer não poderia recomendar outra medida que não a desistência de apresentação de recursos.
Adriana Aguiar, de São Paulo
VALOR ECONÔMICO – LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS 07/04/2010
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