A 1ª Seção de Dissídios Individuais (SDI) do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região julgou ontem, 7 de abril, em Campinas, os mandados de segurança ajuizados pela Shell Brasil Ltda. e pela Basf S.A. Nas ações as empresas pediam a revogação de liminar concedida em janeiro de 2009 pela juíza Maria Inês Corrêa de Cerqueira Cesar Targa, titular da 2ª Vara do Trabalho de Paulínia, que acolheu pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT), numa Ação Civil Pública (ACP), no sentido de que a Shell e a Basf fossem obrigadas a contratar plano de saúde vitalício para seus ex-empregados – são cerca de mil – e para trabalhadores terceirizados e autônomos que trabalharam nas instalações que as companhias mantiveram no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia, onde ficou constatado ter havido contaminação ambiental. A liminar beneficiaria também os filhos dos trabalhadores, desde que nascidos durante ou depois do período de prestação de serviço na unidade.
Segundo a decisão da 2ª VT de Paulínia, as empresas deveriam contratar “plano de saúde vitalício, que não exija qualquer carência, de abrangência nacional e que permita cobertura de consultas, exames, todo o tipo de tratamento médico, nutricional, psicológico, fisioterapêutico e terapêutico, além de internações, em favor de todos os trabalhadores, quer tenham sido seus empregados ou empregados das empresas por elas contratadas, ou ainda lhes tenham prestado serviços autônomos, desde que isso tenha ocorrido no Recanto dos Pássaros, à Rua Roberto Simonsen, 1.500, em Paulínia (SP), bem como em favor dos filhos desses trabalhadores nascidos no curso ou após tais contratações”.
Na sessão de ontem, os magistrados da 1ª SDI decidiram, por maioria – a partir do voto da relatora, desembargadora Helena Rosa Mônaco da Silva Lins Coelho -, que em lugar do plano vitalício as empresas devem custear todas as despesas relacionadas ao tratamento de problemas de saúde advindos da contaminação. A cobertura deve abranger consultas, exames e todo o tipo de tratamento médico, nutricional, psicológico, fisioterapêutico e terapêutico, além de internações. O tratamento deverá ser feito em cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC) ou no município de São Paulo. Foi mantida a extensão do benefício aos filhos nascidos durante ou após o período de trabalho na unidade de Paulínia, onde as empresas fabricavam agrotóxicos.
A 1ª SDI também determinou que a Basf e a Shell têm o prazo de 30 dias para publicar, na primeira página dos maiores jornais do País e nas três emissoras de TV de maior audiência, um edital de convocação dos trabalhadores e descendentes abrangidos pela decisão. A partir da publicação, os convocados terão 90 dias para apresentarem documentos comprovando sua condição de beneficiados. Caso descumpram a decisão, as empresas deverão pagar multa diária de R$ 100 mil, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
O MPT pede, na Ação Civil Pública em curso na 2ª VT de Paulínia, uma indenização de R$ 620 milhões por danos morais coletivos. De todos os trabalhadores que tentam provar que foram expostos a substâncias contaminantes, ao menos 100 possuem ações individuais em trâmite na Justiça.
Cronologia do caso
No final da década de 70 a Shell instalou uma indústria química nas adjacências do bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia. Em 1992, ao vender os seus ativos para a multinacional Cyanamid, começou a ser discutida a contaminação ambiental produzida pela Shell na localidade, até que, por exigência da empresa compradora, a Shell contratou consultoria ambiental internacional que apurou a existência de contaminação do solo e dos lençóis freáticos de sua planta em Paulínia.
A Shell foi obrigada a realizar uma auto-denúncia da situação à Curadoria do Meio Ambiente de Paulínia, da qual resultou um Termo de Ajustamento de Conduta. No documento, a empresa reconhece a contaminação do solo e das águas subterrâneas por produtos denominados aldrin, endrin e dieldrin, compostos por substâncias altamente cancerígenas – ainda foram levantadas contaminações por cromo, vanádio, zinco e óleo mineral em quantidades significativas.
Após os resultados toxicológicos, a agência ambiental entendeu que a água das proximidades da indústria não poderia mais ser utilizada, o que levou a Shell a adquirir todas as plantações de legumes e verduras das chácaras do entorno e a passar a fornecer água potável para as populações vizinhas, que utilizavam poços artesianos contaminados.
Mesmo nas áreas residenciais no entorno da empresa foram verificadas concentrações de metais pesados e pesticidas clorados (DDT e drins) no solo e em amostras de água subterrâneas. Constatou-se que os “drins” causam hepatotoxicidade e anomalias no sistema nervoso central.
Em 2000, a Cyanamid foi adquirida pela Basf, que assumiu integralmente as atividades no complexo industrial de Paulínia e manteve a exposição dos trabalhadores aos riscos de contaminação até 2002, ano em que os auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) interditaram o local, de acordo com decisão tomada em audiência na sede do MPT. Apesar do recurso impetrado pela Basf, a interdição foi confirmada em decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região, em São Paulo.
Em 2005, o Ministério da Saúde concluiu a avaliação das informações sobre a exposição aos trabalhadores das empresas Shell, Cyanamid e Basf a compostos químicos em Paulínia. O relatório final indicou o risco adicional ao desenvolvimento de diversos tipos de doenças.
Desde 2007 o MPT tenta responsabilizar na Justiça as empresas pelo acompanhamento médico privado dos seus ex-empregados, com o objetivo de garantir os direitos dos trabalhadores e suas famílias, e de desonerar o Sistema Único de Saúde.
Fonte: TRT 15 08/04