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Reforma da Previdência: Capitalização vira herança; saiba por quê

O artigo 201-A da Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 6/2019) de reforma da Previdência torna a contribuição dos trabalhadores que aderirem ao regime de capitalização uma herança. Caso o trabalhador morra antes de usar o benefício, o valor vira espólio, o que contradiz o modelo de contas nocionais sugerido pelo próprio texto do governo, que está baseado na lógica solidária da repartição.

“A lei complementar de iniciativa do Poder Executivo Federal instituirá novo regime de Previdência Social, organizado com base em sistema de capitalização, na modalidade de contribuição definida, de caráter obrigatório para quem aderir, com a previsão de conta vinculada para cada trabalhador e de constituição de reserva individual para o pagamento do benefício, admitida capitalização nocional, vedada qualquer forma de uso compulsório dos recursos por parte de entes federais”, diz o artigo.

O trecho traz uma contradição ao admitir a capitalização nocional, que funciona com base na lógica de repartição e, ao mesmo tempo, vedar aos entes federais o acesso aos recursos poupados nas contas individuais, em caso de morte, aplicando, portanto, a lógica patrimonialista dos regimes puros de capitalização.

Na opinião de especialistas, a comissão especial da Câmara deveria dar atenção a essa contradição.

Atualmente, o Brasil adota a modalidade de repartição, segundo o qual o dinheiro recolhido por meio das contribuições de trabalhadores e de patrões é desembolsado no mesmo mês de recolhimento. O governo complementa o valor que falta a cada mês, com recursos do Tesouro Nacional. Isso torna o sistema tripartite. Em caso de morte, as contribuições que foram feitas e não gozadas na forma de benefício, vão custear outros benefícios, já que o modelo é solidário baseado no pacto entre as gerações.

No modelo de capitalização puro, as contas são individuais e o dinheiro é juntado pelo próprio trabalhador, que confia sua poupança a entidades gestoras privadas, que aplicam o dinheiro no mercado financeiro, ou seja, é uma conta particular de investimento, mas com aportes compulsórios. Em caso de morte, os valores acumulados entram no processo de espólio, já que é vedado o uso dos recursos pelos entes federais, como deixa claro o texto.

Já o modelo de contas nocionais funciona com as regras da repartição. As contribuições recolhidas vão para um fundo único gerido pelo estado, mas o trabalhador tem acesso a informações de sua situação previdenciária, como se fosse uma conta virtual. O governo define a forma de correção dos benefícios e o trabalhador pode acompanhar a evolução de sua conta virtual.

“Quando a pessoa morre mais cedo, o valor é registrado como espólio, portanto, a PEC torna a Previdência, que é solidária, em patrimonial. Previdência é um direito social e não uma herança, e sua instituição foi um avanço social. Isso é um verdadeiro retrocesso civilizatório”, opina o matemático e especialista em previdência pela Fundação Getúlio Vargas Luciano Fazio. “As contas nocionais, admitidas no texto, são de repartição. É uma contradição”.

Na avaliação de Fazio, a individualização institui um mecanismo que ele considera cruel, pois, ao se aposentar, o trabalhador terá que calcular o valor que poderá receber a cada mês, com base no montante acumulado e em sua expectativa de vida. “Se morrer antes, o dinheiro sai do sistema, já que a conta é individual e vai virar espólio. Se o trabalhador vive mais, vive com o fantasma do desamparo, pois os recursos serão insuficientes.”
Na opinião do professor sênior da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP), Hélio Zylberstajn, ao admitir a inclusão das contas nocionais no texto, o governo causou confusão. Na sua avaliação, o princípio de solidariedade contido na lógica previdenciária precisa ser relativizado. “Que tipo de solidariedade é essa que usa a contribuição de muitos trabalhadores da base da pirâmide para pagar aposentadorias e R$ 30 mil?”, questiona.

Na opinião do especialista, a comissão especial que examina a proposta deveria retirar a menção a contas nocionais do substitutivo antes de o texto seguir para votação no plenário da Câmara.

Para ele, a proposta deveria introduzir diferentes pilares. “O ideal seria um primeiro pilar universal, solidário e igual para todos, bancado pelo Tesouro Nacional; um segundo pilar de repartição, com as contribuições de trabalhadores e empregadores, e um terceiro pilar de capitalização”.

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