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A cláusula de não concorrência.

As chamadas pessoas-chave, aquelas com domínio de processos ou relevantes como lideranças, são tão ou mais valorizadas que ativos fundamentais da empresa.

O aparente paradoxo na verdade revela a correlação entre escassez e valor. No plano do direito ganhou relevo a tentativa de assegurar às empresas as informações estratégicas que as pessoas-chave detêm quando a relação de trabalho termina, especialmente por meio de cláusula de não concorrência: adaptação do non-compete clause (NCC) do direito anglo-saxão.

Embora a cláusula seja identificada como mecanismo de restrição aos negócios ou à liberdade de trabalho, o fato é que, contratada com precisão, a cláusula interessa tanto à empresa quanto ao profissional.

Em startups, por exemplo, não chega a ser incomum que os fundadores dessas companhias renunciem suas liberdades em troca de investimentos.

Até nas jurisdições adversas à cláusula, como no Estado da Califórnia (EUA), há a exceção da “venda do negócio” (caso Fillpoint, LLC v. Maas). Na venda de um negócio, o engajamento de uma pessoa-chave pode ser crucial na decisão de investir e no preço da transação.

Assim, como vendedor do negócio, não há restrição a liberdades; ao contrário, haveria enriquecimento sem causa e redução no “goodwill” se a cláusula de não concorrência fosse anulada. Na venda do negócio, portanto, uma cláusula bem estruturada vincula o vendedor.

Mas, diante de um profissional não proprietário, essa cláusula seria válida e eficaz? A legislação brasileira é omissa quanto à validade da cláusula de não concorrência após o término do contrato de trabalho.

Alguns, apoiados na ideia de que os direitos fundamentais da pessoa natural são absolutos, defendem a ilicitude da cláusula por entender que ela desrespeitaria a liberdade de trabalho assegurada constitucionalmente.

O TRT de São Paulo já decidiu dessa forma reconhecendo que “a força de trabalho é o bem retribuído com o salário e assim meio indispensável ao sustento próprio e familiar, tanto que a ordem social tem nele o primado para alcançar o bem-estar e a justiça sociais” (TRT-SP, Processo nº 20010487101).

Outros, no entanto, defendem a validade da cláusula, argumentando que não existem direitos fundamentais absolutos e que, portanto, a liberdade de trabalho pode ser limitada para proteção de outros direitos fundamentais, tais como o direito de propriedade e de livre iniciativa das empresas.

Apesar da divergência, a cláusula de não concorrência pós-contratual vem sendo aceita, desde que observados alguns pressupostos que buscam reduzir a amplitude da restrição à liberdade de trabalho.

De início, a cláusula só é aceita se for pactuada para resguardar um legítimo interesse empresarial. É necessário, dessa forma, examinar a atividade do profissional, os conhecimentos adquiridos e os efeitos potencialmente lesivos do uso desses conhecimentos junto aos concorrentes.

Somente com essa análise é possível avaliar se há um legítimo interesse empresarial a ser protegido. Nesse sentido, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo entendeu ser “válida a inserção de cláusula de não concorrência no contrato de trabalho, desde que restrita a determinado segmento de mercado e estabelecida por tempo razoável, além de prever indenização compensatória (…); referida cláusula tem como justo objetivo proteger segredos industriais entre empresas concorrentes (…)” (TRT-SP, Processo nº 01344006120025020078).

Além disso, a cláusula deve especificar a atividade que o trabalhador ficará proibido de exercer durante a restrição que, naturalmente, não poderá ser diversa da atividade exercida durante o contrato de trabalho.

A cláusula de não concorrência também precisa ser firmada por um prazo determinado, não se admitindo extensas restrições à liberdade de trabalho, muito menos perpétuas.

A dificuldade é estabelecer o tempo máximo da restrição. Para alguns, a duração máxima deve ser entre um e dois anos após o fim da relação de trabalho.

Deve ainda ser especificada a amplitude geográfica da restrição. A fórmula comumente aceita é a de que a restrição deve coincidir com a dimensão espacial da atividade econômica da empresa.

No entanto, na era da revolução tecnológica e da globalização, a concorrência tem ultrapassado fronteiras geográficas, havendo uma tendência de ampliação das áreas nas quais o profissional ficará proibido de concorrer.

Por fim, o entendimento majoritário é o de que o profissional deve receber uma remuneração pelo período de restrição. A inteligência é a de que a remuneração deve ser razoável e proporcional à restrição imposta na cláusula de não concorrência.

Em resumo, a cláusula de não concorrência, de vital importância, tem sido admitida no Brasil, seja na venda de empresas, seja no contrato de trabalho, desde que estruturada com a observância dos critérios acima discutidos.

(*) são advogados trabalhistas e, respectivamente, sócio e associado sênior do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch

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