O aumento desses processos nas Cortes trabalhistas se deve, em parte, à Emenda Constitucional nº 45, de 2004. A norma transferiu, da Justiça Comum para a do trabalho, a competência para decidir litígios entre sindicatos.
Essa movimentação, porém, foi acompanhada de um aumento no número de ações judiciais – embora não existam dados oficiais, o crescimento é notado por sindicalistas e advogados que atuam na área. As razões incluem a especialização das profissões, o surgimento de novos centros econômicos e, em muitos casos, a disputa pelo dinheiro das contribuições sindicais.
A especialização é bem ilustrada nos setores financeiro e de telecomunicações. Com o surgimento do telemarketing, por exemplo, nasceram sindicatos específicos da área – gerando o descontentamento dos tradicionais representantes da telefonia. São diversos os casos em que duas entidades reivindicam para si, na Justiça, a representação de um mesmo segmento. Os trabalhadores em corretoras de valores são disputados num processo na Justiça do Trabalho de São Paulo, entre o Sindicato dos Trabalhadores no Mercado de Capitais (Simc) e o Sindicato dos Empregados em Empresas de Seguros Privados e Capitalização (SindSeg).
Há também casos em que uma entidade representa um rol muito amplo de atividades. Mais cedo ou mais tarde, surge um concorrente para uma das categorias. Para o advogado Geraldo Baraldi, do Demarest & Almeida Advogados, o surgimento de novos sindicatos é saudável, desde que não sejam irregulares. Mas nem sempre fica claro se o desmembramento é ou não justificável. Na área de restaurantes, o Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis, Apart-Hotéis, Móteis, Flats, Restaurantes, Bares, Lanchonetes e Similares de São Paulo e Região (Sinthoresp) tenta evitar a perda do setor de fast-food, reivindicado pelo Sindifast. Entre as ações principais e os conflitos relativos a contribuições individuais, os processos envolvendo os dois sindicatos chegam a uma centena – uma ação agora suspensa pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) havia condenado o Sinthoresp a devolver contribuições recebidas. A execução, de R$ 17 milhões, poderia quebrar o sindicato.
Ao mesmo tempo, com a criação de novos centros econômicos, entidades que abrangem um grande número de municípios enfrentam concorrência em localidades específicas. A realidade se repete pelo país inteiro e nos mais diversos setores.
Por trás desses desdobramentos está uma corrida por representação, mas também, em muitos casos, por dinheiro. A partir de 2008, com o reconhecimento da legitimidade das centrais sindicais, estas entraram na divisão do bolo de mais de R$ 1 bilhão arrecadado, anualmente, com as contribuições sindicais obrigatórias – cobradas uma vez por ano de todo trabalhador com carteira assinada, no valor de um dia de trabalho. Do total, 60% fica para o sindicato, 15% para a federação, 5% para a confederação e 10% para as centrais.
O repasse às centrais leva em conta seu tamanho – segundo o número de sindicatos ligados a elas e a quantidade de trabalhadores filiados aos sindicatos. Acirrou-se assim a disputa pela representatividade. “O que está em jogo é o espólio da contribuição sindical”, afirma o advogado Renato Rua de Almeida, professor de direito trabalhista da PUC de São Paulo. “É uma guerra pelo dinheiro”, diz o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique.
Para o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra Martins Filho, outro problema é a forma de registro no Ministério do Trabalho. “A rigor, o ministério teria que zelar pelo cumprimento do princípio da unicidade sindical, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal”, afirma. A unicidade sindical estabelece que só pode haver um sindicato por grupo profissional em cada município. Mas na prática, diz Martins, o ministério faz novos registros sem prestar atenção a isso e, mesmo havendo impugnação por parte da entidade mais antiga, a briga vai parar na Justiça.
O número de ações pode crescer com a proliferação de sindicatos. Segundo a CUT, mais de dois são criados por dia. “É mais fácil abrir um sindicato que uma microempresa”, afirma o presidente da CUT. “E, em alguns casos, dá mais dinheiro.” Procurado pelo Valor, o Ministério do Trabalho não se manifestou. Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical, discorda que o dinheiro esteja por trás das disputas. “O que as centrais disputam é representatividade, a defesa de pontos de vista”, diz.
Seja qual for a razão, as brigas judiciais causam insegurança para trabalhadores e empresários. “As ações costumam demorar anos para serem resolvidas e, no momento em que se iniciam, geram problemas de recolhimento da contribuição sindical e nas convenções coletivas”, afirma o advogado André Ribeiro, do Felsberg & Associados. Segundo ele, diante de uma disputa judicial entre sindicatos de trabalhadores, muitas empresas optam por depositar as contribuições sindicais em juízo.
Na Justiça Trabalhista, conforme o ministro Ives Gandra Martins Filho, a jurisprudência segue dois critérios. Um deles é o da anterioridade, que dá preferência ao sindicato mais antigo – quando se trata de uma mesma categoria em uma localidade. Outra é a representatividade. Mas quando há criação de novas categorias, a situação é analisada caso a caso. Na Bahia, uma juíza trabalhista encontrou uma solução criativa para a briga judicial recente entre o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil do Extremo Sul da Bahia (Sinticesb) e o Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil de Porto Seguro (Sindcom), que disputavam a representação da construção civil nessa cidade: transferiu a decisão para os próprios trabalhadores, que, em votação, escolheram o Sinticesb.
Maíra Magro – De Brasília