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Justiça Federal derruba liminar e libera prática da ortotanásia no País.

Em sua decisão, que deve ser publicada no Diário Oficial esta semana, o juiz Roberto Luis Luchi Demo julgou improcedente a ação do Ministério Público que apontava a inconstitucionalidade da medida. Dessa forma, os médicos ficam definitivamente respaldados para recorrer à prática.

A ortotanásia é a suspensão de tratamentos invasivos que prolonguem a vida de pacientes em estado terminal, sem chances de cura. Para isso, o médico deve ter a anuência do doente ou, se este for incapaz, de seus familiares. Ao contrário do que acontece na eutanásia, não há indução da morte.

São exemplos conhecidos de prática da ortotanásia o caso do papa João Paulo II, morto em 2005, e do ex-governador de São Paulo Mário Covas, que optou por passar os últimos momentos de vida recebendo apenas cuidados paliativos.

A situação vivida por ele levou à aprovação de uma lei estadual que dá aos doentes o direito de não se submeter a tratamentos dolorosos e inúteis quando não há chance de cura.

A prática está alinhada com o novo Código de Ética Médica (CEM), que entrou em vigor em abril deste ano e determina que o médico ofereça cuidados paliativos para deixar o paciente confortável e evite exames ou tratamento desnecessários que prolonguem o processo de morte.

“No código, colocamos a questão da ortotanásia de maneira mais branda, mas já apontamos o caminho dos cuidados paliativos”, explica Roberto D”Avila, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).

A polêmica. Embora nunca tenha sido considerada infração ética ou crime, muitos médicos hesitavam em praticar a ortotanásia por medo da reação dos familiares e dos colegas ou por convicção. Em 2006, o CFM aprovou uma resolução regulamentando a prática. O texto deixava claro que tratamentos desnecessários poderiam ser interrompidos quando não houvesse chance de cura. Isso inclui, por exemplo, desligar o aparelho de um paciente na UTI e deixá-lo passar seus últimos dias em casa, se essa for sua vontade.

Mas o então procurador dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal, Wellington Oliveira, entendeu que a ortotanásia não está prevista na legislação brasileira e a resolução estimularia os médicos a praticar homicídio. Ingressou com ação civil pública, alegando que somente uma lei poderia permitir tal prática. No ano seguinte, obteve liminar na Justiça Federal em Brasília suspendendo a resolução.

Em agosto deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) revisou a ação. A procuradora Luciana Loureiro, que sucedeu Oliveira no processo, afirmou que a ação confundiu ortotanásia com eutanásia.

Com base no novo parecer do MPF e outras manifestações favoráveis à ortotanásia, Luchi Demo julgou a ação improcedente. Em sua sentença, o magistrado relata que, após refletir muito sobre o tema, chegou à convicção de que a resolução do CFM não é inconstitucional.

“Alinho-me pois à tese defendida pelo Conselho Federal de Medicina em todo o processo e pelo Ministério Público Federal nas sua alegações finais, haja vista que traduz, na perspectiva da resolução questionada, a interpretação mais adequada do Direito em face do atual estado de arte da medicina. E o faço com base nas razões da bem-lançada manifestação da ilustre procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira”, diz o texto.

Repercussão. Em entrevista ao Estado, D”Avila comemorou a decisão e afirmou ter sido positiva a discussão que a ação do MPF suscitou na sociedade nos últimos três anos. “Isso ajudou a amadurecer o entendimento de que com o avanço da tecnologia é preciso impor limites para que não se prolongue o processo de morte inadequadamente”, afirmou o médico.

Membros da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) também comemoraram a decisão, conta Rachel Moritz, Presidente do Comitê de Terminalidade da Vida e Cuidados Paliativos da entidade. “Essa discussão chegou à medicina intensiva há mais tempo, pois lidamos muito com alta tecnologia”, explica. “Todos os médicos, quando entendem o conceito de deixar morrer no tempo certo, concordam com a ortotanásia.”

A Igreja Católica, que em outras ocasiões havia se manifestado favorável à prática, considera uma boa notícia a revogação da liminar. “A Igreja considera imorais tanto a eutanásia como a distanásia. Nos dois casos, a vida humana é desrespeitada”, afirma d. Antonio Augusto Dias Duarte, membro da Comissão de Bioética da Comissão Pastoral Episcopal para a Vida e a Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “De qualquer forma, o texto da resolução do CFM poderia ser mais explícito”, pondera d. Antonio. “Como trata da vida das pessoas com doenças incuráveis, deveria deixar claro que a eutanásia é um mal.”

Karina Toledo

COLABOROU ALEXANDRE GONÇALVES

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