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Jornada sem ponto e mais: a “minirreforma” que pode mudar a vida do trabalhador.

Segundo o relator da matéria na comissão especial, deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), o objetivo das emendas é trazer para a lei “algumas decisões que já estão sendo tomadas na Justiça do Trabalho”. “Estamos corrigindo distorções que impedem a economia de crescer. É uma leitura mais educativa do papel do Estado, e não tão punitiva como existe hoje. Muitas vezes a punição inviabiliza os empreendimentos sem necessidade”, diz.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que as alterações têm foco no lado do empregador, e que direitos dos trabalhadores podem estar sendo retirados sem um debate mais amplo com a sociedade.

“Há mudanças que parecem corretas, mas existe um limite para tudo isso. Temos que pensar que a lei trabalhista funciona melhor nas grandes cidades. Na parte pobre do país, onde as pessoas já têm poucos direitos, se tirarmos o pouco que existe vai ficar difícil”, critica Luiz Guilherme Migliora, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro.

Para a advogada trabalhista Lisiane Mehl Rocha, as mudanças são preocupantes porque não está havendo o devido debate com a sociedade. “A MP, inicialmente, não tinha essa intenção. De repente, foram surgindo emendas com mudanças significativas”, afirma.

Veja quais são as mudanças propostas que podem afetar mais diretamente os trabalhadores:
1. Trabalho em domingos e feriados
Pelo novo texto, o trabalho em domingos e feriados ficaria liberado para todas as atividades. Hoje, para que os funcionários possam trabalhar nesses dias, o empregador precisa ter uma autorização do Ministério do Trabalho – que, após a reforma administrativa do governo de Jair Bolsonaro, foi incorporado ao Ministério da Economia.

“Temos que admitir que hoje há muitas atividades sendo feitas de maneira ilegal. Se nós não adequarmos a regra, vamos ter mais perda de emprego”, defende o relator do texto.

Isso abriria espaço, por exemplo, para que os bancos abrissem aos fins de semana. Para compensar, caso trabalhe em domingos e feriados, o funcionário teria o direito de tirar folga em outro dia da semana – o que já ocorre hoje para os profissionais que trabalham nesse regime. E, da mesma forma, ao menos uma vez por mês o descanso precisaria cair no domingo.

2. Controle de ponto
Conforme o disposto na legislação atual, empresas com mais de dez funcionários são obrigadas a controlar a jornada dos trabalhadores por meio do ponto. A mudança proposta prevê que os funcionários possam, por meio de acordos individuais, ficar sem registrar a jornada habitualmente. O controle seria feito apenas sobre as exceções – ou seja, em folgas, férias ou faltas.

Esse modelo já existe hoje mas, para que seja implementado, precisa ser estabelecido entre empresas e funcionários em acordos coletivos.

“Se há o registro diário, é mais difícil de haver fraude. Com a mudança proposta, o empregado fica menos protegido porque tem menos possibilidade de reclamação”, afirma Migliora.

Segundo o relator da matéria, porém, a medida valoriza a “boa fé” de empregadores e funcionários. “Parte-se do princípio que, se houve a contratação, ambos estão com uma boa intenção, e não com o objetivo de ir buscar, depois, direitos que não existem”, diz Goergen.

3. Extinção da Cipa em alguns casos
Outra mudança desobriga estabelecimentos com menos de 20 funcionários, micro e pequenas empresas de constituírem a chamada Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa). Quem faz parte dessas comissões ganha estabilidade no emprego, não podendo, pela Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), ser demitido de forma “arbitrária”.

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil é o quarto país do mundo com mais acidentes de trabalho. “Afrouxar essas regras vai prejudicar o trabalhador”, diz a advogada Lisiane Rocha.

Na opinião do relator, no entanto, as Cipas têm sido utilizadas como forma de “comodismo” dentro das empresas. “Nós não estamos proibindo, estamos impedindo que o trabalhador mude sua função ou jornada de trabalho para participar da Cipa”, afirma o deputado.

4. Teto para entrar na Justiça do Trabalho
Em outra alteração, trabalhadores que ganham mais de 30 salários mínimos mensalmente – o que equivale a mais de R$ 28 mil – passariam a ter seus contratos regidos pelo Direito Civil, e não pela lei trabalhista.

“Com isso ficaria instituída a plena liberdade de negociação entre os funcionários e os empregadores. Não acho a ideia tão ruim, mas não sei se vai ter muito espaço para manobra porque o próprio texto faz ressalva em relação ao disposto no artigo 7.º da Constituição Federal”, explica o professor da FGV.

Este trecho da Constituição estabelece direitos básicos a todos os trabalhadores, tanto rurais quanto urbanos.

5. Carteira de trabalho digital
Outra alteração, esta sem muita controvérsia, moderniza a carteira de trabalho. Pelo texto, o documento passa a ser preferencialmente emitido em meio digital, e não em papel, como é hoje. A carteira física seguiria existindo para casos excepcionais.

6. Pagamento de dívidas trabalhistas
A última mudança com mais reverberações dificulta a chamada “solidariedade” entre empresas de um mesmo grupo para o pagamento de dívidas trabalhistas. “Na configuração de hoje, se o empregador é de um grupo econômico, todas as empresas são responsabilizadas”, explica Lisiane Rocha.

O texto também limita a possibilidade de responsabilização dos sócios de uma empresa nesses casos, apontando que eles arcam com o prejuízo somente se ocorrer desvio de finalidade da empresa ou confusão patrimonial entre ela e seus sócios.

“Mesmo que uma empresa esteja falida, seus sócios podem ter patrimônio. O texto dificulta o acesso a esses recursos para o pagamento de dívidas trabalhistas”, diz a advogada.

Os próximos passos
Após editadas pelo Presidente da República, as medidas provisórias podem valer por até 120 dias. Para se transformarem em lei, precisam passar pela aprovação do Congresso Nacional.

A MP da Liberdade Econômica já passou pela Comissão Mista, formada por 12 senadores e 12 deputados federais. Com o parecer do deputado Jerônimo Goergen aprovado, o texto agora segue para votação na Câmara dos Deputados. Depois, se aprovado, ainda precisa passar pela apreciação no Senado Federal.

Para não perder a validade, a MP 881/2019 precisa ter a tramitação concluída no Congresso até 10 de setembro.

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