O fato de o empregador fornecer transporte, por si só, não é suficiente para atrair a aplicação do referido dispositivo legal: é preciso que o local onde a empresa está instalada seja de difícil acesso ou não servido por transporte público.
Se houver incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada de trabalho do empregado e os do transporte público regular, o empregado também tem direito às horas in itinere (Súmula 90, item II, do TST). Ex: a empresa está instalada em local servido por transporte coletivo, mas o ônibus inicia o percurso somente às 7:00 da manhã, sendo que o empregado inicia sua jornada de trabalho às 6:00.
Se houver transporte público em apenas uma parte do trajeto, as horas in itinere só serão remuneradas no limite do percurso não alcançado pelo transporte público (trajeto misto), conforme Súmula n. 90, item IV, do Tribunal Superior do Trabalho.
Ex: o ônibus do empregador busca os empregados em um determinado ponto de fácil acesso, mas como a empresa está localizada fora do perímetro urbano, somente parte do trajeto deve ser computado como hora in itinere.
Se o local for servido por transporte público, mas em número insuficiente, a concessão de transporte fretado pelo empregador não dá direito as horas in itinere, porque representa mera comodidade (Súmula 90, item III, do TST). Ex. excesso de passageiros em relação ao número de transporte público disponível no local. Nesse caso, a precariedade do transporte público não pode ser oposta ao empregador, pois trata-se de dever do Estado.
Se o tempo de deslocamento dos empregados enquadrar-se como horas in itinere, a negociação coletiva não poderá suprimir o direito ao recebimento dessas horas como extraordinárias (caso ultrapassem a jornada normal), porque é nulo qualquer acordo que vise impedir a aplicação da legislação trabalhista.
A supressão por norma coletiva das horas in itinere configura renúncia antecipada, conforme jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho:
“HORAS IN ITINERE -ACORDO COLETIVO – FLEXIBILIZAÇÃO CONTRA LEGEM -IMPOSSIBILIDADE. I – A matéria relativa às horas in itinere foi acrescida ao art. 58 da CLT pela Lei nº 10.243/2001, ficando expressamente previsto em seu § 2º que o tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução. II – Embora o princípio do conglobamento, adotado na interpretação dos acordos e convenções coletivos, permita a redução de determinado direito mediante a concessão de outras vantagens similares, de modo que no seu conjunto o ajuste se mostre razoavelmente equilibrado, não é admissível a utilização de instrumentos normativos para a preterição pura e simples de direito legalmente previsto. III – Com efeito, o inciso XIII do art. 7º da Constituição, ao prever a possibilidade de redução da jornada laboral, por meio de acordo ou convenção coletiva, não autoriza a ilação de que os protagonistas das relações coletivas de trabalho possam ajustar a supressão integral de direito assegurado em lei. IV – Conquanto se deva prestigiar os acordos e convenções coletivas, por injunção do art. 7º, inciso XXVI, da Constituição, em que se consagrou o princípio da autonomia privada da vontade coletiva, impõe-se sua submissão ao princípio da reserva legal. Do contrário, a manutenção de cláusulas dessa natureza implicaria conferir-lhes o status de lei em sentido estrito, em condições de lhes atribuir inusitado efeito derrogatório de preceito legal. V – Nesse sentido, a propósito, já se manifestou a Seção de Dissídios Coletivos. Precedente: ROAA-7/2005-000-24-00.3, DJU 17/3/2006. VI – No caso concreto, não é possível atribuir validade à cláusula de acordo coletivo que determina a desconsideração do tempo despendido pelo trabalhador na ida e na volta para o trabalho como horas in itinere . VII – Recurso conhecido e provido. ( RR – 1165/2008-047-03-00, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Levenhagen, DEJT 18/12/2009)
“EMBARGOS – HORAS IN ITINERE – SUPRESSÃO POR ACORDO COLETIVO – IMPOSSIBILIDADE 1. A partir das alterações imprimidas ao artigo 58 da CLT pela Lei nº 10.243/2001, as horas in itinere passaram a gozar do status de norma de ordem pública. Portanto, não podem ser objeto de supressão mediante negociação coletiva. 2. Na hipótese, como registra o acórdão embargado, a norma coletiva foi ajustada após a entrada em vigor da Lei nº 10.243/2001, sendo imperativo o reconhecimento de sua invalidade. Embargos não conhecidos. (E-RR-338/2004-074-03-00, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DJ 1º/8/2008).
”HORAS IN ITINERE. NORMA COLETIVA. ARTIGO 58, § 2º, DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. A situação dos autos não encontra amparo no ordenamento jurídico, que não contempla a supressão mediante acordo ou convenção coletiva de direitos trabalhistas protegidos por norma legal de caráter cogente. Assim, a Carta Magna, quando dispõe sobre o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas, não alberga o desrespeito às garantias mínimas de trabalho legalmente asseguradas, permitindo apenas a flexibilização de alguns direitos trabalhistas, mediante acordo ou convenção coletiva. Flexibilizar, no entanto, não é o mesmo que suprimir direitos. Recurso de revista de que não se conhece. – (RR – 6/2005-271-06-00, Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa, 1ª Turma, DJ 30/11/2007).
O que tem sido admitido é que o acordo coletivo fixe a média do tempo gasto no percurso não servido por transporte público. Essa negociação é expressamente permitida para as microempresas e empresas de pequeno porte (art. 58, § 3º, da CLT), podendo ser aplicada por analogia para as demais empresas.
Já há julgado proferido pela Seção Especializada em Dissídios Individuais-1 do TST sobre a matéria
RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 11.496/2007. HORAS IN ITINERE. PERÍODO POSTERIOR À LEI Nº 10.243/2001. LIMITAÇÃO QUANTITATIVA. NORMA COLETIVA. Esta Corte Superior firmou sua jurisprudência no sentido de ser válida cláusula normativa que delimita o tempo do percurso, independentemente do despendido na realidade, a limitar o pagamento das horas in itinere, em nome do princípio da liberdade de negociação, consagrado no art. 7º, XXVI, da Lei Maior, que assegura o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho. (Recurso de embargos conhecido e provido (TST, E-RR-108900-92.2007.5.09.0669 – SBDI – Julgamento 23/09/2010, Relatora Ministra Rosa Maria Weber)
No mesmo sentido, a decisão proferida pela Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, cujo acórdão é de relatoria do Ministro Maurício Godinho Delgado:
RECURSO DE REVISTA DE VALE S.A. E RIO MAGUARI SERVIÇOS E TRANSPORTES LTDA. HORAS IN ITINERE. ACORDO COLETIVO. LIMITAÇÃO DAS HORAS PAGAS. MONTANTE ESTIMATIVO. A Douta 6ª Turma (ressalva consignada) firmou jurisprudência no sentido de que, pelo menos no tocante às horas itinerantes, é possível à negociação coletiva estipular um montante estimativo de horas diárias, semanais ou mensais, pacificando a controvérsia, principalmente em virtude de o próprio legislador ter instituído poderes maiores à negociação coletiva neste específico tema (§3º do art. 58 da CLT, acrescido pela LC 123/2006). De todo modo, não é viável à negociação coletiva suprimir o direito, porém, apenas, fixar-lhe o montante numérico. Recursos de revista conhecidos e providos – (TST-RR-217100-06.2007.5.08.0126, 6ª Turma, Relator Ministro Maurício Godinho Delgado, DEJT 11.6.2010).