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Gasto com pensão por morte atinge 3,2% do PIB

O Brasil gastou, no ano passado, R$ 101,605 bilhões com pensões por morte, o equivalente a 3,2% do Produto Interno Bruto (PIB). O montante responde por 25% da despesa total da Previdência Social e é 3,5 vezes superior à média gasta pelos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a 4,5 vezes à das economias da América Latina.

Poucas nações desembolsam tanto com esse item da despesa previdenciária quanto o Brasil. A média dos países da OCDE é inferior a 1% do PIB – 0,8%, segundo dados da organização. De acordo com o Banco Mundial, três países ricos – Áustria, Bélgica e Itália – possuem gasto expressivo com pensões por morte – respectivamente, 2,7%, 2,6% e 2,6% do PIB (ver tabela ao lado). Nenhum deles, como mostram os números, supera o Brasil.

No ano passado, o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) despendeu R$ 54 bilhões com pensões por morte. A União, por sua vez, gastou R$ 24,331 bilhões. Como as regras de acesso a pensão nos Estados e municípios são as mesmas da União, o economista Marcelo Abi-Ramia Caetano, do IPEA, calcula que, em 2009, esses entes da Federação desembolsaram R$ 22,937 bilhões com essas pensões.

A razão para o elevado gasto está nas regras de acesso ao benefício. No Brasil, elas são muito mais generosas do que na maioria dos países. Num trabalho feito em co-autoria com Roberto de Rezende Rocha, do Banco Mundial, Caetano comparou as regras de concessão de pensão por morte no Brasil com as de 23 países (ver abaixo quadro resumido dessa comparação). Além disso, os dois cotejaram os gastos, como proporção do PIB, com 75 nações.

A legislação brasileira diz que, quando falece, todo segurado da Previdência Social deixa pensão por morte para seus dependentes, classificados em três categorias. Na primeira, estão o cônjuge, o companheiro ou companheira, o filho não emancipado de até 21 anos de idade, e o filho inválido de qualquer idade. Na segunda, estão os pais do segurado e, na terceira, o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido de qualquer idade.

O valor da pensão é dividido igualmente entre os dependentes de uma mesma classe. Havendo dependentes de uma classe, os da classe seguinte perdem o direito de receber o benefício. Os dependentes da segunda e da terceira classes devem provar que dependem economicamente do segurado falecido

As condições para obtenção do benefício é que facilitam o acesso da população à pensão por morte no Brasil e diferenciam o país do restante do mundo. No sistema brasileiro, não há exigência de tempo mínimo de contribuição do segurado falecido, ao contrário do que ocorre na maioria das nações que foram estudadas por Rocha e Caetano. Em geral, os países exigem que o segurado tenha contribuído, para a previdência social, por um período mínimo de tempo para que seus familiares tenham direito ao benefício.

Na Espanha, o caso mais extremo daqueles analisados pelos pesquisadores brasileiros, a carência exigida é de 15 anos ou de pelo menos 500 dias nos cinco anos anteriores ao falecimento. A carência só não é exigida se o motivo do falecimento do segurado estiver relacionado ao seu trabalho.

No Brasil, não se exige que o candidato à pensão por morte seja casado. Não há também limite de idade, enquanto muitos países restringem a concessão desse tipo de pensão a pessoas jovens, especialmente os viúvos ou viúvas com menos de 45 anos. No sistema brasileiro, a pensão por morte se mantém inalterada em caso de novo matrimônio. Lá fora, em muitos casos, a pensão é extinta quando o pensionista se casa novamente. “Tudo isso permite que o número de beneficiários de pensão por morte no Brasil seja mais expressivo que noutras nações”, observa Marcelo Caetano.

A forma de cálculo do benefício decorrente da pensão por morte também contribui para o fato de o Brasil ser recordista nesse tipo de despesa. O valor da pensão corresponde a 100% da aposentadoria que o segurado recebia ou à qual teria direito a receber, em caso de aposentadoria por invalidez. O benefício é dividido em partes iguais entre os dependentes. No resto do mundo, geralmente a chamada taxa de reposição se restringe a 70% do valor da aposentadoria, com possível acréscimo de 10% por beneficiário.

Nos casos em que o pensionista já receba salário ou um outro benefício previdenciário, o valor da pensão não é reduzido. Em muitos países, os pagamentos são reduzidos e, em outros, é proibida a acumulação com benefícios previdenciários e mesmo com salários. O sistema brasileiro também não estabelece relação entre a idade do pensionista e o valor de pensão. No exterior, pensionistas mais jovens recebem benefícios menores.

Um dos argumentos que são usados pelos defensores das regras “generosas” de concessão de benefícios previdenciários no Brasil é o de que a expectativa de vida aqui é menor que a de outros países. Marcelo Caetano derruba esse mito. Na avaliação do pesquisador, a melhor variável para saber se um regime previdenciário paga benefícios por um espaço de tempo curto ou longo é a expectativa de sobrevida, isto é, a duração esperada do benefício, dada a idade de aposentadoria do contribuinte ou do pensionista.

“A expectativa de sobrevida de um brasileiro em idade mais avançada não é muito distinta daquela que se verifica em países mais ricos. Desse modo, o argumento da menor expectativa de vida ao nascer não é válido para a defesa de idades de aposentadoria menores no Brasil”, sustenta Caetano. “A expectativa de vida ao nascer é fortemente influenciada pela mortalidade infantil que, apesar de ser um mal social com urgente necessidade de minimização, não exerce influência sobre os planos previdenciários, tendo em vista que o início das contribuições e do recebimento dos benefícios ocorre em vida adulta.”

O secretário-substituto de Previdência Social, Remígio Todeschini, não considera “tão generosas” as regras de acesso ao benefício da pensão por morte. Ele argumenta que, em fevereiro, os pensionistas que têm esse direito receberam, em média, R$ 814,82 do INSS. Já o valor médio recebido pelos aposentados foi de R$ 1.250,61, um montante, portanto, 53,4% superior. No caso dos aposentados rurais, os pensionistas por morte receberam, no mês passado, R$ 513,18 em média, praticamente o mesmo valor do salário mínimo, que hoje está em R$ 510.

Segundo Todeschini, a pensão por morte cobre especialmente as necessidades de mulheres, que têm mais filhos para criar no Brasil do que as dos países da OCDE. “A proporção de filhos por família na OCDE é menor do que no Brasil. A mulher tem aqui essa responsabilidade sobre a família”, disse o secretário em entrevista ao Valor.

Todeschini acha importante que o estudo do Ipea faça um alerta sobre a evolução da despesa, mas afirma que “a comparabilidade dos regimes é claudicante”. Ele lembra que, no país, a Previdência Social funciona como um programa de proteção social. Em nações como Estados Unidos, Dinamarca, Reino Unido e Austrália, a proteção em áreas como educação e saúde é muito maior do que aqui. As mulheres nesses países, alega o secretário, têm maior acesso à educação e, por essa razão, possuem mais condições de escapar da pobreza.

“A Previdência é o maior programa de combate à pobreza do Brasil. Contribui, e muito, para diminuir a miserabilidade. Atende 22 de milhões de pessoas, incluídos os que recebem pensão por morte, o que reduz a pobreza no país em 12,3%”, informou Todeschini.

De fato, em seu estudo, Caetano e Rocha mostram o caráter “distributivo” do gasto previdenciário no Brasil, mas advertem que o país, com esse modelo e com seus programas de transferência de renda, diminui mais a pobreza entre os velhos do que entre as crianças e jovens. No primeiro
caso, o país tem um dos menores índices de pobreza da América Latina, mas, no segundo, um dos maiores.

Cristiano Romero, de Brasília

fonte: VALOR ECONÔMICO – ESPECIAL 31/03/2010

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