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O direito à felicidade e o dano moral existencial.

Sem questionar os efeitos da aprovação desta PEC, o fato é que a busca da felicidade por meio da concretização dos desejos individuais de cada cidadão é um objetivo de envergadura. Desta forma, é incerta a sua viabilidade prática. É claro que a concretização deste objetivo maior deve ser perseguida pelo Poder Público. Mas a questão que surge é como alcançar certo nível de felicidade para os cidadãos e, em especial, qual o papel das empresas neste objetivo comum. A atribuição de responsabilidade aos agentes econômicos pela concretização deste objetivo universal é questão controvertida.

Neste contexto, a Justiça do Trabalho tem responsabilizado algumas empresas pelo chamado “dano moral existencial”. Ele é entendido como uma espécie de dano imaterial causado ao empregado pela imposição de excessivo volume de trabalho. A conduta do empregador afrontaria o direito do empregado de dispor de seu tempo livre para as suas atividades sociais, políticas ou culturais, atingindo a própria existência do indivíduo a ponto de vilipendiar o seu direito de autodeterminação. Em última análise, as chances deste empregado ser feliz em seu projeto de vida seriam reduzidas por ato perpetrado pela empresa. É neste ponto que reside o cerne da questão.

O pagamento das horas extras e de todos os demais direitos trabalhistas legalmente garantidos já não seria suficiente. As decisões judiciais impõem às empresas condenação em danos morais pelos efeitos impostos pela alegada prática ilícita do empregador na esfera existencial do empregado. Parte-se da premissa, muitas vezes equivocada, de que o empregado não tem condições de escolher o volume de horas de trabalho e a remuneração disso decorrente.

É claro que há casos em que a fiscalização, a autuação, a repressão e a reparação dos danos devem ser impostas. Isso nas situações absurdas de subjugação de indivíduos à condição análoga a de escravo. Esta é uma situação particular que deve receber toda a atenção do Poder Público por meio de seus diversos agentes, além da máxima tutela pelo Poder Judiciário.

Ocorre que os casos concretos de aplicação do conceito de dano moral existencial são, com frequência, diferentes desta hipótese. Partindo-se da lógica de que todo o trabalho em jornada extraordinária ou a não concessão de férias são medidas impostas pelo empregador contra a vontade do empregado, impõe-se às empresas uma gama multifacetada de penas. Há a possibilidade de, concomitantemente, ser a empresa obrigada a pagar: (i) multa administrativa decorrente da lavratura de auto de infração e imposição de multa aos cofres públicos; (ii) horas extras com o respectivo adicional ao empregado; (iii) indenização por dano moral existencial ao empregado; e (iv) indenização por dano moral coletivo por atuação do Ministério Público do Trabalho.

Ora, não se pode olvidar que a vida moderna exige cada vez mais tempo de todos os indivíduos para a realização de qualquer tarefa. A felicidade está cada vez mais atrelada à concretização de anseios de consumo, no seio de uma sociedade hedonista e consumista. As discussões sociológicas e, claro, filosóficas deste modus vivendi são pertinentes e indispensáveis para o estabelecimento de um novo paradigma para a humanidade. É tarefa útil e necessária.

Entretanto, é preciso inserir nestes debates os aspectos jurídicos decorrentes desta situação, vez que o cumprimento de jornadas de trabalho cada vez maiores não é exclusiva pretensão dos empregadores em face de seus colaboradores. É anacrônica a visão de que há sempre uma imposição unilateral e insuportável destas jornadas de trabalho. Tal pensamento desprestigia a vontade do próprio empregado em auferir rendimentos maiores decorrentes de seu trabalho, o que, inclusive, permite a concretização dos desejos materiais e da própria inserção na sociedade moderna.

Com frequência, o empregado qualificado conhece seus direitos trabalhistas, mas escolhe laborar em jornadas extraordinárias para auferir rendimentos adicionais (horas extras com adicional, PLR, melhor colocação no mercado com o recebimento de hiring bônus etc). A realização desta escolha é a própria concretização de seu livre arbítrio. Nestes casos, em particular, o deferimento de indenização a título de danos morais existenciais, em acréscimo às multas e condenações acima mencionadas, é medida extremada e injusta.

Há que se verificar com cautela se, de fato, houve impossibilidade de autodeterminação da pessoa no ambiente de trabalho ou se, pelo contrário, foi desejo do próprio empregado abrir esta perspectiva de crescimento da renda e de alcance de novas posições no mercado de trabalho e na empresa, ambiente cada vez mais competitivo. A condução deste assunto de outro modo prejudicará o desenvolvimento adequado do dano moral existencial, enquanto importante instituto jurídico.

Thiago de Carvalho e Silva e Silva é doutorando e mestre em direito pela PUC-SP e advogado especializado em relações do trabalho do escritório PLKC Advogados.

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