Levantamento feito no Tribunal de Justiça de São Paulo mostra que o número de processos contra construtoras aumentou 159% entre 2008 e 2010, passando de 202 para 523.
Alguns dos empreendimentos lançados no momento de euforia do setor estão atrasados, o que gerou a corrida de proprietários insatisfeitos à Justiça. As construtoras viraram alvo até de uma ação do Ministério Público de São Paulo.
Há pouca informação disponível sobre como estão evoluindo as reclamações. O advogado Marcelo Tapai se especializou em processos contra construtoras e fez por conta própria uma pesquisa no Tribunal de Justiça de São Paulo. ‘Cerca de 90% dos processos foram motivados por atraso na entrega das chaves’, afirma.
A MRV, por exemplo, tinha apenas 5 processos tramitando na Justiça paulistana em 2008. Em setembro deste ano, eram 70 – ou 14 vezes mais. A empresa é uma das que mais tem faturado com o programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida, voltado para a população de baixa renda. Para reduzir custos, e enquadrar os preços dentro da faixa estabelecida pelo programa, a empresa mineira adotou uma estratégia agressiva de crescimento, com canteiros de obras maiores e mais imóveis por empreendimento.
A Tenda, braço da Gafisa no segmento imobiliário econômico, tinha 95 processos em 2008 e 196 até setembro deste ano. A assessoria de imprensa da empresa contestou os números apresentados pelo advogado, mas não quis divulgar o que eles dizem ser os ‘dados corretos’.
As empresas alegam que o atraso na entrega dos imóveis é pontual e ‘insignificante’ diante do volume de lançamentos dos últimos dois anos. Dizem que os poucos casos registrados são consequência da falta de mão de obra e da dificuldade para obter os documentos nos órgãos de fiscalização – procedimentos que não acompanharam a agilidade e o crescimento do setor. Só na Região Metropolitana de São Paulo, foram lançados 26,8 mil imóveis no primeiro semestre deste ano, contra 14,3 mil no mesmo período do ano passado.
Segundo Tapai, os problemas enfrentados agora pelos clientes são reflexo da injeção de capital que essas empresas receberam principalmente em 2007 com a realização de ofertas públicas iniciais na bolsa. ‘As construtoras se preocuparam em investir os recursos nos lançamentos, mas esqueceram do pós venda e da construção’, diz o advogado.
Vida real. O gerente financeiro Ricardo Nozeia, 32 anos, comprou um apartamento no fim de 2008. Desde então, vinha organizando a festa de casamento, a compra dos móveis e a mudança. Ele esperava sair da casa dos pais em abril deste ano, mas teve de adiar os planos para 2011 porque o apartamento ainda não ficou pronto.
Nozeia e a noiva transferiram a festa de casamento, suspenderam a entrega dos móveis e retomaram a peregrinação atrás de um novo imóvel.
‘Já estamos recebendo presentes dos padrinhos e não temos onde colocar.’ O casal não quer mais negociar com a construtora Ecoesfera, responsável pelo empreendimento. Eles acabaram de entrar na Justiça para reaver o que já investiram no apartamento e pedir uma indenização. ‘Pagamos R$ 150 mil, só que não encontramos mais imóveis semelhantes por esse preço. Por isso, queremos uma indenização.’
Em geral, as construtoras podem atrasar a entrega da obra em até 180 dias, sem sofrer nenhuma consequência. ‘Só que essa tolerância não existe para o consumidor’, diz o ex-promotor de defesa do consumidor do MPE-SP, Paulo Sérgio Cornacchioni. Ele foi o autor dos sete inquéritos contra as construtoras e hoje ocupa o cargo de procurador de Justiça.
Cornacchioni defende a extinção do prazo de tolerância que beneficia as construtoras e a definição de uma multa pelo atraso. A sugestão do procurador é que a punição seja de 2% do valor do imóvel, com juros e correção monetária.
Naiana Oscar.