Criado no governo Fernando Henrique Cardoso em 1999, o fator surgiu com o objetivo de desestimular as aposentadorias precoces – os trabalhadores estavam se aposentando, em média, com 51 anos de idade. Acabou ganhando a antipatia dos cidadãos por reduzir benefícios e prejudicar quem começou cedo na labuta.
Desde então, a revogação da medida é uma das principais bandeiras das entidades que representam trabalhadores no país. Em 2003, o senador Paulo Paim (PT-RS) chegou a apresentar projeto de lei para extinguir o mecanismo. A proposta foi aprovada no Senado, mas está empacada na Câmara até hoje.
Lá, recebeu um complemento do deputado e relator Pepe Vargas (PT-RS), hoje ministro da Secretaria de Relações Institucionais do governo Dilma, aderindo à nova regra. A ideia, discutida desde então, é condicionar a aposentadoria integral, para homens, a 95 anos (somando idade e tempo de contribuição) e 85, para mulheres.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo desta segunda-feira, o ministro da Previdência Social, Carlos Gabas, reconheceu o fracasso do atual modelo por descumprir o papel de retardar as aposentadorias. Gabas disse defender a fórmula 85/95 “como base de partida” para um debate mais amplo. O ministro ressaltou ontem, em entrevista à rádio CBN, que se trata de “opinião pessoal”.
Fonte de polêmica entre estudiosos, a defesa causou furor nas centrais sindicais, embora nenhum detalhe tenha sido divulgado.
Para sindicalista, ideia é desviar foco
No Estado, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS), Claudir Nespolo, saudou a decisão e disse se tratar de “um bom início de conversa”. Cético, o presidente da Força Sindical no Estado, Cláudio Janta, adotou uma outra linha, mais dura. Ele suspeita de que o ministro esteja apenas tentando desviar o foco das medidas negativas adotadas recentemente – entre as quais a redução de direitos trabalhistas.
– O governo Lula já havia sentado com as centrais sindicais e dado ok para a mudança, mas, desde que Dilma assumiu, a coisa não andou – afirma Janta.
Há ainda os que se opõem à alteração proposta, como Atnágoras Lopes, integrante da executiva nacional da Central Sindical e Popular Conlutas. Lopes argumenta que a nova fórmula obrigará as pessoas a trabalhar mais.
– Da nossa parte, não daremos acordo para essa mudança. O que queremos é fim do fator e ponto – destaca Lopes.
Aplicação do cálculo divide especialistas
O debate em torno do fim do fator previdenciário e da adoção da fórmula 85/95 também divide especialistas. Para alguns, a mudança é necessária e vem em boa hora. Para outros, no entanto, pode representar um risco no atual cenário de crise.
Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Jane Berwanger integra o time que vê com simpatia a extinção do atual regramento. Apesar disso, acredita que o cálculo deveria ser mantido para os casos que não se enquadrarem à nova regra.
“É só aprovar e está resolvido”, afirma Paulo Paim sobre mudança nas regras
– Seria o mundo ideal, porque as pessoas poderiam optar pela melhor alternativa. Mas ainda não sabemos o que o governo tem em mente, então é complicado fazer uma análise mais detalhada – pondera Jane.
Na avaliação do professor de Direito Previdenciário da Unisinos Everson da Silva Camargo, o cálculo usado desde 1999 gera discrepâncias e precisa ser substituído. Ainda assim, Camargo tem dúvidas quanto à efetividade da fórmula em discussão.
– Há vantagens e desvantagens. Em alguns casos, na prática, não mudaria muita coisa – afirma o professor.
Radicalmente contra o fim do fator previdenciário, o economista Fabio Giambiagi, um dos principais especialistas em Previdência no país, sustenta que mexer no sistema acarretaria problemas sérios aos cofres públicos.
Somente no ano passado, o déficit estimado no setor pelo Ministério do Planejamento chegou a R$ 50 bilhões. Mesmo com novas regras restringindo a concessão de aposentadorias por morte e seguro-desemprego, a tendência é de que o rombo continue aumentando.
– É uma loucura o que o ministro está propondo. É brincar com fogo no momento em que o país corre o risco de perder o grau de investimento. Essa é a última coisa que precisamos neste momento – alerta Giambiagi.