O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sofreu duas grandes derrotas ontem na Câmara dos Deputados, que aprovou em uma só medida provisória o fim do fator previdenciário e o reajuste de 7,71% para aposentados que ganham acima de um salário mínimo.
A MP foi aprovada com apoio de parte da base aliada. O texto segue ainda para o Senado, que deve manter as modificações. Caso isso aconteça, lideranças do governo já sinalizaram que Lula deve vetar o texto.
As estimativas do rombo variam. O líder do governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), calcula que as duas medidas resultarão em impacto de cerca de R$ 15 bilhões para os cofres públicos somente em 2010. Já os cálculos de alguns deputados da oposição falam em rombo de cerca de R$ 10,9 bilhões neste ano.
O deficit estimado da Previdência Social também para 2010 já é de R$ 50 bilhões.
O placar da emenda que acabou com o fator previdenciário foi de 323 favoráveis, 80 contrários e 2 abstenções. Os líderes do governo, do PT e do PMDB, principal partido da base, orientaram contra a mudança, mas não obtiveram sucesso.
A emenda foi apresentada pelo líder do PPS, Fernando Coruja (SC). O fator previdenciário foi criado em 1999, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, como forma de inibir aposentadorias precoces e reduzir o rombo da Previdência. Na prática, o fator previdenciário é um redutor do benefício, conforme o tempo de contribuição e a idade. Com o fim desse cálculo, o trabalhador ganharia cerca de 30% a mais ao se aposentar.
O deputado tucano Arnaldo Madeira (PSDB-SP) foi um dos poucos da oposição a votar contra as mudanças no cálculo da previdência. “É um absurdo total. Ninguém indica de onde virão mais recursos. Essa é a noite da irresponsabilidade.”
Após as votações, Vaccarezza disse que o governo vai trabalhar para fazer modificações no Senado. Caso isso aconteça, o texto volta para a Câmara.
A votação do aumento dos aposentados foi simbólica, ou seja, sem registro de placar. Na hora da orientação dos líderes, no entanto, até o PT liberou sua bancada. Só o governo orientou contra o aumento -todos os outros partidos votaram pelos 7,71%. Como a Câmara estava cheia de aposentados, os deputados estavam com medo da repercussão em ano eleitoral.
Vaccarezza passou semanas discutindo apenas o índice do reajuste, sem se preocupar tanto com o fator. A MP enviada pelo Executivo concedeu aumento de apenas 6,14%, mas não tratou de mudanças nos cálculos dos benefícios.
Pressionado por partidos aliados e com medo de uma derrota maior, como aconteceu ontem, o governo cedeu e aceitou mudar o índice para 7% – o que corresponde à inflação de 2009 mais dois terços do aumento do PIB de 2008.
Os deputados e os representantes dos aposentados não ficaram satisfeitos, propondo o índice de 7,71%- correspondente à inflação do ano passado mais 80% do crescimento do PIB. O acordo desse valor já passou inclusive pelo Senado. O que dificultou para o governo foi que os deputados não quiserem ficar responsáveis por diminuir o índice de aumento.
O reajuste de 7,71% é retroativo a janeiro deste ano e, de acordo com o governo, vai resultar em um impacto extra de cerca de R$ 1,6 bilhão ao ano nos cofres da Previdência.
Lula diz que vetará reajuste de 7,7%
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetará o reajuste de 7,7% para os aposentados e o fim do fator previdenciário. Informado ontem à noite, em Buenos Aires, das decisões da Câmara, o presidente disse, segundo um auxiliar direto, que “não há eleição que me faça aprovar esses absurdos”.
Nas palavras desse auxiliar, o presidente está disposto a vetar todo o texto da medida provisória. Assim derrubaria os 7,7% e o fim do fator previdenciário. Para honrar a promessa de reajuste de 7%, Lula editaria nova medida provisória.
A estratégia agora é retardar a votação da medida no Senado. Lula também atrasaria o veto, deixando assim para votar o novo texto depois do primeiro turno, sem o efeito das eleições para deputados e senadores.
A Folha apurou que o presidente tentará negociar as duas matérias no Senado, mas disse a um auxiliar que tem pouca esperança de que sejam derrubadas por causa da disputa eleitoral. Ou seja, o desgaste político ficaria com ele.
“É uma irresponsabilidade para o país, inventaram um índice sem base financeira. Mas cabe ao Senado decidir. O presidente Lula não toma medidas eleitoreiras, é um homem responsável, e vai vetar”, disse o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP).
Na visão da cúpula do governo, Lula prejudicaria mais a pré-candidatura presidencial de Dilma Rousseff (PT) se endossasse tais medidas. Uma parcela do mercado financeiro e do empresariado acredita que um eventual governo Dilma seria mais frouxo do ponto de vista fiscal. Por isso, Lula está disposto a vetar as bondades aprovadas pelo Congresso.
No ano eleitoral, o governo quer ter o controle das bondades e do limite de afrouxamento fiscal. Exemplos: ontem mesmo decidiu usar a Telebrás para a expansão da banda larga, o que é criticado por segmentos da iniciativa privada, e estuda quais setores econômicos pretende beneficiar com eventuais isenções fiscais para compensar a valorização do real.
O presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), que votou pelo aumento de 7,7%, acha que Lula não vetará o aumento. “Em ano eleitoral, os políticos ficam mais sensíveis”, disse ele.
MARIA CLARA CABRAL
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
FOLHA DE S. PAULO – DINHEIRO em 05/05/2010