O mundo corporativo está em estado de alerta. Apenas de 2007 a 2008 – último ano com dados recolhidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – as notificações de acidentes no desempenho das funções cresceram 13,4%, passando de 659.523 registros para 747.663, segundo informações do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho, publicação conjunta dos ministérios da Previdência Social e do Trabalho e Emprego.
Historicamente, os registros de acidentes de trabalho vinham caindo de forma gradual a partir de 1975, quando atingiram seu maior índice (1.916.187 acidentes). Entretanto, esta redução foi estancada em 2001, quando o total foi o menor registrado, com 340.251 acidentes. A partir de então, as ocorrências voltaram a subir.
Na avaliação de Alexandre Gusmão, editor do Anuário Brasileiro de Proteção, a retomada dos acidentes no País está ligada ao rápido crescimento da economia brasileira na última década. “Muitos postos de trabalho foram criados, o que expôs esses novos trabalhadores a situações de risco a que não estavam preparados”, analisa.
No entanto, Gusmão também critica o “desmanche” da área de saúde e segurança do Ministério do Trabalho, iniciado no governo Fernando Henrique e aprofundado no governo Lula. “O foco da fiscalização do ministério centralizou-se basicamente em avaliar FGTS e registro da carteira profissional nas empresas. O governo deixou de priorizar a saúde dos trabalhadores e os resultados estão aí”, afirma.
Outro motivo para o crescimento está no novo tipo de fiscalização realizado pelo governo federal, que visa combater a subnotificação de acidentes. Desde 2007, quando foi adotado o Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), benefícios que antes eram registrados como não acidentários passaram a ser identificados como acidentários, a partir da correlação entre as causas do afastamento e o setor de atividade do trabalhador segurado, independentemente da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) pelo empregador.
“Antes disso, os números eram muito incompletos, pois os trabalhadores eram afastados por lesões ou doenças comuns, não ligadas ao seu serviço, e isso não era contabilizado”, informa Gusmão.
Em 2006, último ano em que a velha metodologia foi empregada, o Brasil contabilizou 512.232 acidentes de trabalho. Em 2007, quando o NTEP foi adotado, esse número cresceu para 659.523, dos quais 141.108 não possuíam CAT e, portanto, não teriam sido incluídos na antiga forma de fiscalização. Em 2008, dos 747.663 acidentes, 202.395 foram sem CAT.
No entanto, isso mostra que, mesmo sem incluir os registros não notificados pelas empresas, houve crescimento nos acidentes. Segundo a velha metodologia, em 2008 teríamos 545.268 acidentes, cerca de 30 mil a mais que em 2006.
No Rio Grande do Sul, os índices também seguiram a tendência nacional. Em 2006, foram registrados 43.798 acidentes no Estado. Um ano depois, esse número cresceu para 52.884, chegando a 62.931 em 2008. Na Capital gaúcha, o número chegou a 12.987 acidentes no ano de 2008. Para o secretário de Políticas de Previdência Social, Helmut Schwarzer, muito ainda precisa ser feito pelas empresas, pelos trabalhadores e pelo governo para reduzir os índices de acidentalidade no País.
“É necessário que todos repensem os processos de produção e invistam mais em capacitação e dispositivos de segurança modernos. Somente com a adoção de políticas efetivas de combate aos acidentes criaremos ambientes laborais mais seguros, protegendo os trabalhadores e reduzindo o custo Brasil”, enfatiza o secretário.
Número de mortes cai no País – Apesar do crescimento no registro de acidentes, o número de mortes decorrentes de acidentes de trabalho teve uma leve redução no País. De acordo com os dados do Anuário Estatístico, os acidentes fatais caíram de 2.845, em 2007, para 2.757 no ano passado. No entanto, houve um aumento de 28,6% na identificação de acidentes causadores de incapacidade permanente, que passaram de 9.389 para 12.071 no mesmo período.
Os acidentes responsáveis por afastamentos superiores a 15 dias cresceram 23,3%, passando de 269.752, em 2007, para 332.725 em 2008. Em relação a lesões, embora os registros em 2008 mostrem que elas continuam concentradas nos membros superiores e inferiores, como em 2007, há um expressivo aumento no número de dorsalgias, de lesões do ombro e de fraturas da perna e do punho e mão. A nova metodologia do NTEP, de caracterizar como acidentárias lesões antes registradas como previdenciárias, também foi responsável por esse aumento.
Em 2007, foram registrados 51,372 mil casos de dorsalgias. Em 2008, esse número subiu para 55,450 mil. As lesões do ombro passaram de 19,505 mil para 22,926 mil. Fraturas da perna (incluindo o tornozelo) pularam de 17,336 mil para 21,704 mil.
Os registros de fratura de punho e mão saltaram de 32,366 mil casos em 2007 para 48,757 mil em 2008. Quando analisados por regiões, verifica-se que a maioria dos acidentes registrados ocorreu na região Sudeste (411.290), vindo em seguida as regiões Sul (170.990), Nordeste (83.818), Centro-Oeste (51.994) e Norte, com 29.571 acidentes notificados. Somente o Sudeste responde por 55% de todos os acidentes registrados em 2008.
Empresariado alerta para impacto nos custos – As mudanças implemen-tadas pelo governo federal na área de segurança e saúde dos trabalhadores não envolvem apenas os dados estatísticos. Desde janeiro deste ano, está em vigor uma nova legislação, que colocou em vigor a aplicação do Fator Acidentário Previdenciário (FAP). O FAP prevê alíquotas diferenciadas do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT) para as empresas que investem e as que não investem em segurança e saúde dos trabalhadores.
Desta forma, foi alterado o cálculo da contribuição paga pelas empresas à Previdência Social, que antes recolhia uma taxa fixa de 1%, 2% e até 3% sobre a folha de pagamento, variando de acordo com o grau de risco de seu ramo de atuação.
Com o decreto, automaticamente algumas atividades classificadas e enquadradas pela Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Cnae) tiveram o respectivo percentual de contribuição ao SAT alterado. Sobre esses novos percentuais, agora é calculado o FAP.
“Ele é um multiplicador aplicado às três alíquotas do SAT, incidentes sobre a folha de salários das empresas para financiar aposentadorias especiais e benefícios decorrentes de acidentes de trabalho.
Esse fator pode reduzir à metade ou dobrar as alíquotas de acordo com quantidade, frequência, gravidade e custo dos acidentes em cada empresa”, explica Luiz Massad, gestor da Torres & Associados, consultoria de benefícios e gestão empresarial.
Segundo o novo regime, as empresas que receberem carga maior na alíquota do SAT terão desconto de 25%. As que reduziram o risco de acidente ou doença no trabalho terão bonificação integral.
De acordo com essas normas, o SAT, já aplicado o desconto de 25%, vai levar as alíquotas máximas a 1,75% (risco leve), 3,5% (risco médio) e 5,25% (risco grave). As alíquotas mínimas serão, respectivamente, 0,5%, 1% e 1,5%. De 2011 em diante, os três tetos chegam a 2%, 4% e 6%.
No entanto, essa nova norma vem recebendo críticas dos empresários, que têm entrado com liminares contra a cobrança do FAP. “A expectativa com a mudança proposta pelo governo, que contava com apoio empresarial, era que a legislação incentivasse as empresas que investem em práticas de prevenção e combate aos acidentes de trabalho com a diminuição do valor do seguro.
Mas não foi isso que ocorreu. O resultado será um expressivo aumento de arrecadação do SAT”, afirma Paulo Tigre, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs). Segundo o dirigente, estudos indicam que h
averá uma forte elevação dos custos sobre a folha de pagamento, que deverá superar os R$ 5 bilhões, mais de 60% de majoração da arrecadação.
De acordo com cálculos da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o decreto que mudou o enquadramento dos empreendimentos às alíquotas do Seguro de Acidente do Trabalho aumentará os custos para cerca de dois terços das atividades econômicas no País. Com a incidência do FAP, dado pelo nível de acidentalidade, a empresa poderia ser bonificada com a diminuição em até 50% do valor do seguro oficial, ou penalizada até o dobro do normal.
No entanto, constatou-se que a metodologia irá punir quem emprega muito. Além disso, em cerca de 90% das empresas foi aplicada fórmula não prevista em lei que majora o custo do seguro. Uma indústria com direito a 40% de desconto terá apenas 20% por essa fórmula.
Conforme a simulação feita pela CNI, com a nova aplicação do FAP, o valor do seguro pode subir entre 50% e 500% nas empresas dos setores que tiveram majoração de alíquota do SAT de 1% para 3%. Por exemplo um empreendimento cujo seguro é 1% sobre a folha de salários anual de R$ 100 milhões recolhe atualmente R$ 1 milhão ao ano a título de Seguro de Acidente do Trabalho.
Caso a alíquota dessa mesma empresa suba para 3%, o valor do seguro aumentaria para R$ 3 milhões ao ano. Com a aplicação de um FAP equivalente a 0,5, o valor do seguro passaria para R$ 1,5 milhão, ou seja, um aumento de 50% em relação ao total recolhido atualmente. Mas se o FAP dessa empresa for 2%, o valor a ser pago subiria para R$ 6 milhões. Ou seja, um aumento de 500%.
Fabricantes de equipamentos de proteção esperam crescimento – Se o crescimento da economia brasileira afetou o número de acidentes de trabalho, também ajudou na evolução do mercado de equipamentos de proteção individual (EPIs) no Brasil.
“Nosso segmento está diretamente ligado ao comportamento do setor industrial e de serviços, sempre que ocorre aumento do número de trabalhadores há um crescimento também no consumo de EPIs”, destaca Macarius Boscaini, diretor da empresa Cenci/Epitec.
Fabricante de luvas, roupas e cremes de proteção, a Cenci/Epitec possui uma perspectiva de aumentar em 40% seus negócios em 2010. O otimismo é devido à expansão do setor de construção civil, grande consumidor de EPIs, bem como ao volume de recursos destinados a obras governamentais e ao lançamento de novas linhas de produtos.
Com isso, devem ser recuperadas as perdas causadas pela crise internacional no ano passado, que levaram a empresa a reduzir seu volume de negócios em torno de 10%.
As boas expectativas para o ano também são compartilhadas por José Geraldo Brasil, diretor-presidente da JGB.
A empresa, que produz 100 mil unidades de luvas e roupas técnicas por ano, comercializadas em todo o Brasil e América do Sul, teve uma queda de negócios da ordem de 30% no ano passado, quando no primeiro semestre a maioria de seus clientes diminuiu os pedidos devido à redução de operação.
Agora, a palavra de ordem para 2010 é recuperação. “Nossa realidade mudou da água para o vinho, e temos perspectivas muito grandes”, afirma Brasil, que acredita que a JGB deverá aumentar suas vendas em 20% este ano, em comparação aos números de 2008.
Para o diretor-presidente, as empresas brasileiras estão cada vez mais preocupadas com a questão da segurança de seus funcionários. “O custo do acidente, não só financeiro, mas social, é muito grande, então mesmo pequenos e micro empresários hoje estão dando maior atenção a esse tema”, aponta.
As oportunidades de crescimento do mercado de EPIs também levaram ao surgimento de novas empresas. Em 2009, a Artecola, tradicional fabricante gaúcha de adesivos, lançou um novo braço da companhia dedicado para calçados de segurança, a Arteflex.
“Os calçados representam 40% dos equipamentos do mercado de proteção, e como temos experiência na área e sabemos que existe uma carência de ofertas diferenciadas esse foi um passo lógico a seguir”, explica Rafael Müssnich, diretor da Arteflex.
Segundo Müssnich, a principal atração do mercado de EPIs para a Artecola foram o seu porte e as perspectivas de crescimento. “Apesar do tamanho, esse segmento possui uma carência de ofertas especiais, com produtos de qualidade, durabilidade e conforto superior, e queremos suprir essa demanda”, afirma.
A Arteflex, que iniciou sua comercialização em julho do ano passado já possui planos de expansão, que envolvem o aumento de sua capacidade produtiva, logística e tecnológica.
Fonte: Jornal do Comércio, p. 8 e 9 do Caderno JC Empresas e Negócios, 22.02.2010