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Qual o real prejuízo dos atrasos do INSS para o cidadão?

Mais de 1,3 milhão de pedidos de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estão com atraso superior aos 45 dias de prazo para processamento dos casos, o que levou ao anúncio de demissão do presidente do órgão nesta terça-feira. Quem deixa de receber acaba no prejuízo, porque a única forma de compensação pela demora por parte do governo é a correção do valor pela inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do período.

No total, há 2 milhões de requerimentos de benefícios em análise, para várias categorias, como de seguro-desemprego, auxílio-doença e, claro, aposentadoria. De modo geral, são justamente esses cidadãos que estão em situação de maior vulnerabilidade. Eles muitas vezes dependem desse dinheiro para pagar contas básicas como água, luz e aluguel.

Há relatos de pessoas que estão há mais de três meses esperando para receber o seguro do INSS. Se uma conta de luz atrasa, a concessionária têm o direito de cobrar 1% de juros ao mês, proporcional à quantidade de dias em atraso, e ainda até 2% de multa sobre o valor da conta, informa o Procon-SP, vinculado à Secretaria de Justiça e Cidadania.

Só aí, em um mês de atraso, o consumidor paga 3% a mais sobre o valor de seu consumo de energia ou água, porque o governo atrasou o pagamento daquilo que, algumas vezes, pode ser sua única fonte de renda.

Em contrapartida, a inflação do INPC, índice usado para correção dos atrasos, foi de 4,48% em todo o ano de 2019. Em dezembro do ano passado, quando saltou, o INPC foi de 1,22% e em outros meses houve deflação nesse indicador, que é bastante sensível ao preços dos alimentos.

De todo modo, o valor corrigido pelo governo é desproporcional ao que o cidadão paga em multas e juros.
A situação se agrava ainda mais quando, por ficar sem receber os pagamentos do INSS, o cidadão recorre a cartões de crédito ou ao limite do cheque especial, modalidades de juros altíssimos. No cartão de crédito, por exemplo, o atraso de uma fatura pode custar mais de 12% ao mês sobre o valor que deixou de ser pago.

Algumas pessoas acabam entrando no cheque especial para evitar cortes dos serviços de água, luz e telefonia. Nesses casos, elas deixam de pagar aquele teto de 3% em encargos e passam a arcar com até 8% ao mês sobre o crédito. Fica ainda pior.

Na tabela abaixo, tentamos resumir o efeito financeiro do atraso para o governo e para o cidadão, considerando uma inflação de 4% ao ano, o custo de emissão de dívidas pelo governo e o juro médio dos empréstimos para pessoas físicas divulgado pelo Banco Central.

Embora não haja nenhuma evidência de interesse fiscal na demora para pagamento dos benefícios, o custo do Tesouro de pagar a correção pela inflação, de R$ 3,27 por mês de atraso de R$ 1 mil em benefícios do INSS, é menor do que quanto o governo gastaria para emitir novas dívidas no mercado, que seria de R$ 5,61 a cada R$ 1 mil. Já para uma pessoa que tenha que tomar empréstimo bancário para pagar as contas, o custo médio será de R$ 34,48 por mês sobre esse valor de R$ 1 mil. Se a dívida for no cartão de crédito, o prejuízo é ainda maior para o cidadão, já que teria que desembolsar R$ 126,65 em juros a cada mês e teria a correção de pouco mais de R$ 3.


Para o juiz federal, especialista em direito previdenciário e professor da Anhanguera, Nilson Martins, nem todos os atrasos são culpa do mau funcionamento do sistema público. Muitas vezes há falta de documentos e uma série de protocolos a serem seguidos por definição da lei que acabam tornando o processo mais lento.

“O que a gente vê muitas vezes que hoje temos um atraso grande no INSS pela falta de pessoal. Mas muitas vezes o benefício não é concedido porque faltam documentos. Há casos em que é pedido um período de atividade especial que pode exigir perícia e análise. Isso tudo são situações que geram atrasos. Às vezes, o INSS só está cumprindo o protocolo. Se há necessidade de uma avaliação médica, pericial, isso tem de ser cumprido”, afirma.

Perda em investimentos
Mesmo para quem não precisa se endividar por causa do atraso do INSS, por possuírem reserva financeira de emergência, também está sujeito a prejuízos.

Quando o trabalhador tira o dinheiro de uma aplicação para pagar as contas, ele deixa de ganhar o retorno do investimento. Por mais que a maioria das reservas de emergência esteja em aplicações mais conservadoras, pouco rentáveis, não deixa de ser uma perda de dinheiro.

Vamos supor que um trabalhador tenha R$ 1 mil em uma aplicação que renderia 100% do CDI em 2019. Se ele mantivesse o dinheiro investido por 12 meses, ao final, o saldo seria de R$ 1.049,17, já descontado o imposto de renda de 17,5%. Mas ao fim do mesmo período, ao receber o dinheiro atrasado do INSS, com a correção atual, ele teria um saldo de R$ 1.044,80. O investidor deixou de ganhar R$ 4,37. Uma ressalva é que o INPC só foi de 4,48% porque a inflação acelerou em dezembro por conta do alta no preço da carne.

O prejuízo do cidadão seria ainda maior se o dinheiro tivesse aplicado em investimentos um pouco mais rentáveis, como o Tesouro IPCA, que teve uma rentabilidade grande no ano passado, ou até fundos de renda fixa com taxa de administração zerada.

De acordo com o jurista Nilson Martins, não há nenhuma previsão na lei da previdência para ressarcimento do cidadão que passa por essa situação. Em sua carreira de 20 anos como juiz federal, ele conta que nunca viu processos para ressarcir multas de contas por conta de atraso do INSS. Houve, entretanto, ações de danos morais pela falta do benefício.

“Não existe uma previsão legal dessa responsabilização, multa ou ressarcimento destes valores. Isso não significa que a pessoa não possa entrar com o processo, mas confesso que eu pessoalmente nunca vi ações deste tipo. Pode haver, mas não vi”, diz.

Previsão de pagamento
O governo anunciou que fará uma força-tarefa para regularizar a situação. A ideia é que o tempo de espera para ter o processo avaliado seja em média de 45 dias, em vez dos atuais 65 dias (nos casos de aposentadoria o prazo médio supera 120 dias). Para isso, vai fazer um convite a 7 mil militares da reserva para ajudar com os trabalhos. Quem participar da força-tarefa vai receber um adicional de 30% ao salário.

O governo federal estima que os prazos e atrasos devem diminuir no segundo semestre deste ano, por volta do mês de setembro. Também foram anunciadas outras medidas emergenciais como limitar a cessão de profissionais do INSS para outros departamentos, agilizar perícia de 1,5 mil servidores afastados por licença média para tentar que eles voltem ao trabalho e o fim da exigência de autenticação de alguns documentos.

Por que o INSS atrasa?
Um dos motivos para o atraso já é antigo: a falta de servidores para analisar e processar os pedidos. A desproporção entre o número de pedidos e de análises também se deve ao fato de que ficou mais fácil solicitar os benefícios pela internet, mas os trâmites e o tempo de análise continuam iguais e andam bem mais devagar que as quantidade de requerimentos.

Há ainda a reforma da Previdência aprovada no ano passado que gerou uma corrida pela aposentadoria, aumentando o número de pedidos do benefício na tentativa de escapar das novas regras, agora mais rígidas. Vários dos pedidos realizados depois da vigência da reforma precisam ser enquadrados de acordo com as mudanças, mas o sistema do INSS não foi atualizado para acompanhar essas novas regras.

No caso do seguro-desemprego, houve ainda um atraso por conta do problema no sistema de cruzamento de dados da Caixa, que ocorreu por conta da liberação do saque imediato do FGTS, de até R$ 500, instituído no ano passado.

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