Embora o governo Jair Bolsonaro venha sinalizando uma flexibilização na legislação trabalhista com a justificativa de gerar empregos, as discussões não devem incluir mudanças nos principais direitos previstos pela Constituição Federal.
O secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo, afirma que o artigo 7º —que garante ao trabalhador direitos como férias, 13º salário, descanso semanal, FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e seguro-desemprego— deve ser mantido.
“São direitos constitucionais que não acredito que a sociedade brasileira esteja disposta a discutir”, afirma, em entrevista à Folha.
Apesar disso, ele afirma estar em andamento um processo de enxugamento no arcabouço legal trabalhista.
O objetivo é transformar 160 decretos em apenas 4, 600 portarias em 10, e ainda revisar todas as normas regulamentadoras. O processo será concluído, em boa parte, neste ano.
Também será enviada ao Congresso Nacional neste ano uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para liberar a escolha do trabalhador por sindicatos.
Já a principal mudança a ser promovida na área trabalhista, a carteira de trabalho verde-amarela (anunciada na campanha eleitoral de Jair Bolsonaro e que prevê um contrato individual com o patrão prevalecendo sobre a legislação) deve ficar para depois.
“Por enquanto, temos outras prioridades”, afirma. À frente na lista, estão a aprovação da reforma da Previdência e o debate sobre a reforma tributária.
O governo anunciou a criação de uma carteira de trabalho verde-amarela, que prevê menos direitos trabalhistas. Qual a situação desse plano hoje? O governo de uma maneira geral e o Ministério da Economia precisam focar os esforços. O esforço atual foi pela reforma da Previdência. E a reforma tributária vem por aí.
A carteira de trabalho verde-amarela tem uma defesa muito veemente por parte do ministro Paulo Guedes e do presidente Bolsonaro, que têm intenção de elaborar um novo marco trabalhista.
Mas não há ainda um horizonte de quando isso será colocado em prática, não está em fase avançada de desenvolvimento no momento. Mas temos o artigo 7º na Constituição e acho que ninguém discute a revisão desse artigo.
É onde estão os principais direitos, como o 13º, o FGTS e a indenização por demissão. Esses são direitos constitucionais que não acredito que a sociedade brasileira esteja disposta a discutir.
Quais são as diretrizes do plano, então? Teria como sistemática uma contratação simples o suficiente, com total segurança jurídica, para que não faça sentido nenhum ter um trabalhador informal. Ou para que esses dois mundos se aproximem muito.
Hoje em dia os mundos formal e informal são superdistantes. Na informalidade você não tem nenhum direito e na formalidade muitos direitos, além do Ministério Público e da Justiça do Trabalho.
O que mudaria, especificamente? Tem de ter toda a simplificação, um mecanismo de segurança jurídica. É uma discussão inclusive com a Justiça do Trabalho, mas não está madura para a gente cravar quais são os nortes.
A discussão existe, o ministro [Paulo Guedes] tem falado em eventos e ele não nos deixa esquecer desse objetivo de médio e longo prazos.
Nesse momento, não sou nem capaz de tecer maiores comentários sobre.
Então vai ficar para depois? Não é o momento ainda. E muito do que a carteira de trabalho verde-amarela pode trazer pode vir na reforma tributária.
Como a desoneração da folha, que contribui para a redução da informalidade. Não é o objetivo imediato da reforma tributária, mas, se esse aspecto da reforma for à frente, podemos ter uma redução da informalidade no Brasil.
O fato de ela poder ter uma reação negativa maior contou para adiar? É negativa para o trabalhador da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] ou positiva para os dois terços [da população ativa], que podem ter maior possibilidade de ser empregado?
Não dá para olhar só o emprego formal, mas, sim, para o mercado de trabalho como um todo. Tenho dois terços dos trabalhadores sem proteção alguma.
Só acho que não existe a discussão neste momento. Este governo não trabalha com soluços ou sobressaltos.
A economia está indo mal, mas não há pacotes com estímulos pontuais. Todas as medidas têm impacto estrutural, mesmo a do FGTS, que passa a ser todos os anos. Este governo não trabalha com voo de galinha.
Qual seria o momento da discussão sobre a carteira? A gente aguarda as orientações do ministro Paulo Guedes sobre o momento. Por enquanto, temos outras prioridades.
Quais são? Tem um trabalho muito forte infralegal, de consolidação normativa, de modernização das normas regulamentadoras, de melhorias da CLT e aí a discussão da carteira de trabalho verde-amarela será desenvolvida.
Nós precisamos desenvolver nosso modelo sindical para a liberdade sindical completa. Temos um modelo paternalista, que depende do Estado para a constituição de um sindicato, que, com base no antigo imposto sindical, formou um universo de 17 mil sindicatos, que é uma situação que não tem comparativo no mundo.
A maior parte dos países de referência e na OCDE tem uma dezena ou uma centena de sindicatos.
Mas o que seria a liberdade sindical? Hoje, a Constituição restringe o número de sindicatos por base territorial. Então você só pode ter um sindicato para cada categoria, no mínimo, por município.
E, no momento em que você tem esse sistema somado ao imposto sindical [que deixou de ser obrigatório no governo Michel Temer], existe um incentivo [à criação de sindicatos].
Hoje o volume de sindicatos é muito grande e a representatividade é muito baixa.
Quase metade não faz negociação coletiva todos os anos, então não tem razão de existir. E, principalmente, são todos tutelados pelo Estado.
É uma herança de um período varguista, quando o Estado tinha a intenção de controlar sindicatos. Essa não é mais a realidade.
Que mudança legal precisa e quando ficaria pronta? Uma PEC. Teremos ela pronta neste ano ainda. Estamos em um momento de discussão do texto.
Depois, ele será discutido com a sociedade em geral, mas em especial com as centrais sindicais, com as confederações. Para que seja um modelo consensual.
Não é algo que o Poder Executivo possa fazer de forma autônoma. O governo vai avaliar o melhor momento de enviar ao Congresso.
Que discussões ainda demanda? É preciso definir quem é que vai ter a representatividade com as empresas. Essa é uma discussão para os próximos meses.
Você tem cem categorias. Quem negocia, os cem? Não tem como.
Então quem vai representar [os trabalhadores]?
Se eu tenho quatro sindicatos dos bancários, quem vai negociar? O de maior representação? Mas aí como auferir o que tem maior representação? Como determinar o número? Vai estar no cartório, vai ser o governo, vai ser uma entidade privada? Então essas são as discussões.
No momento em que você desobriga o registro, quem tem a capacidade de negociação? Se for o de maior representação, o acordo alcançado é vinculante ou os demais podem optar estar fora do acordo. É uma discussão para juristas, academia e especialistas em negociação.
E o que muda para os atuais sindicatos? No momento em que faço a liberdade sindical, você pode montar um sindicato para qualquer categoria. E o trabalhador passa a ter um direito de escolha.
Hoje, ele está vinculado a um sindicato. A partir do momento seguinte [da PEC], o trabalhador pode se vincular a outro.
O presidente Bolsonaro sugeriu recentemente que seria necessária uma nova legislação sobre trabalho escravo. Existe algum tipo de discussão sobre isso? Não temos discussão e não recebemos nenhuma orientação sobre isso.
Essa é uma discussão que o Congresso deve fazer, e avaliar se os conceitos existentes no código penal sobre trabalho escravo são suficientes, precisos, para dar conta de uma agenda que é legitima.
O trabalho escravo precisa ser combatido. Mas eventuais mudanças na legislação serão por parte do Congresso. Já existem discussões avançadas lá a esse respeito, com dezenas de projetos de lei.
Alguns atores serão importantes, como a Frente Parlamentar de Agricultura, que tem um posicionamento sólido sobre isso.
Por outro lado, os defensores dos direitos humanos também têm posicionamento consolidado a esse respeito.
Então, a gente entende que o Executivo, neste momento, não tem uma participação.
O presidente disse também que o trabalhador brasileiro vai precisar escolher entre todos os direitos e emprego. Eu daria um passo além. Na verdade, essa é uma decisão que já existe no mercado de trabalho. Temos 50 milhões de pessoas que estão ou na informalidade ou desalentadas ou desempregadas. Que sistema é esse?
Por que precisamos ter 40% das pessoas trabalhando na informalidade, onde salários são menores, não há FGTS, licença-maternidade, seguro contra acidentes?
Não podemos olhar apenas para o trabalho formal, mas o mercado de trabalho completo.
A pergunta que se impõe ao Brasil é: Que equilíbrio queremos?
De que forma ter políticas de trabalho mais inteligentes para incorporar esse trabalho para o mercado de trabalho formal, e aí eles [os trabalhadores] terem Previdência e outros direitos.
E como fazer isso? Essa é a pergunta de um milhão de dólares. A agenda de desoneração da folha é superimportante para isso. A simplificação e a desburocratização, de desentupimento dos canais de investimentos, e a retomada do desenvolvimento do país são importantes.
Bruno Dalcolmo, 39
Secretário de Trabalho do Ministério da Economia, é bacharel em Relações Internacionais, especialista em Políticas Públicas e mestre em International Political Economy pela London School of Economics. Foi superintendente da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e subchefe-adjunto da Casa Civil. Desempenha funções semelhantes às de um ministro do Trabalho, cargo que foi extinto na gestão Jair Bolsonaro.