Segundo o sócio do Mattos Engelberg Advogados, Gustavo Penna Marinho, responsável pelo processo, o juízo foi importante para as construtoras, incorporadoras e imobiliárias, que frequentemente são obrigadas a devolver valores por conta da inadimplência dos compradores.
“Há diversas decisões que acabam aplicando o CDC [Código de Defesa do Consumidor]. É um entendimento que não está pacificado”, explica o advogado.
De acordo com Marinho, essas decisões estavam prejudicando os negócios no setor imobiliário porque a empresa tinha que devolver o dinheiro sem comprometer a obra, já que os outros apartamentos tinham que ser entregues no prazo. “As construtoras acabam precisando de um caixa muito elevado para conseguir operar”, comenta.
No caso em análise, o comprador adquiriu um terreno por R$ 84.565,27, pagando R$ 37.469,09 por entrada, corretagem, registro de escritura e cinco parcelas de financiamento. Contudo, ele não conseguiu pagar todas as prestações, de modo que o imóvel, pelo contrato de alienação fiduciária celebrado, acabou voltando às mãos da incorporadora.
O consumidor foi, então, à Justiça para reaver os valores pagos mesmo o contrato não prevendo reembolso. Na primeira instância, o juiz da Comarca de Cidade Ocidental (GO) entendeu pela nulidade da cláusula que estabelece perda das prestações pagas, de acordo com o artigo 53 do CDC. “Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas […]”, aponta o texto da legislação.
Assim, a incorporadora foi condenada a devolver ao consumidor o montante de R$ 30.521,79, descontados os 10% de cláusula penal.
A companhia entrou com recurso no TJDF, onde o desembargador Fábio Eduardo Marques colocou a Lei 9.514/1997 acima do CPC e reverteu a decisão da primeira instância. Para o magistrado, o código só se aplica em contratos imobiliários quando há promessa de compra, enquanto nesse processo o imóvel já estava até escriturado, de forma que a lei que trata de alienação fiduciária seria mais adequada para regular o acordo em questão.
“Enfim, inaplicável o art. 53 do CDC, à medida que a norma especial contida na Lei 9.514/97, inclusive posterior à Lei 8.078/90, prevalece quando do inadimplemento do devedor fiduciante”, defendeu o desembargador.
Distinção
Na opinião do sócio do VBD Advogados, Olivar Vitale Júnior, o mais importante do julgamento foi a distinção que o desembargador fez entre imóvel com promessa de compra e imóvel cuja posse já foi para o comprador. “No caso houve uma venda definitiva em que o comprador deu em garantia o próprio imóvel comprado para o credor. Aplicou-se o procedimento que está na lei”, expressa o advogado.
Vitale Júnior acredita que se fosse, por outro lado, uma decisão relativa à distratos, quando o imóvel ainda não foi entregue pela construtora e o comprador desiste da aquisição, o entendimento do tribunal seria diferente.
Na avaliação do advogado, a decisão na primeira instância foi um erro, típico de casos em que o juiz confunde esses conceitos de promessa de compra e aquisição definitiva.
Gustavo Penna Marinho opina que a decisão do TJDF trouxe mais segurança jurídica para as incorporadoras, melhorando o ambiente de negócios no setor. “O tribunal reafirmou a validade das disposições que permitem a execução da garantia e trouxe estabilidade para todo o financiamento imobiliário, o que pode até manter os juros em um patamar satisfatório”, conclui o especialista.
Ricardo Bomfim