A afirmativa, por mais conhecida e intuitiva que nos seja, ainda se faz necessária quando tratamos de alguns temas particulares, como o financiamento da aposentadoria especial.
Esse benefício, previsto a partir do artigo 57 da Lei 8.213/91, é concedido como forma de preservar e, ao mesmo tempo, compensar o trabalhador engajado em atividades insalubres, desenvolvidas em ambientes de trabalho nocivos à saúde e à integridade física.
De forma a gerar receita adicional ao custeio dessa prestação, a Lei 9.732/98 trouxe alíquotas suplementares de contribuição, variáveis de acordo com o grau de exposição. A ideia, em suma, seria atribuir, isonomicamente, maiores encargos aos empregadores que provocam, também, maiores despesas ao sistema, ao permitir as aposentadorias precoces de segurados expostos a agentes nocivos.
Apesar de fundamentada em premissas coerentes e justas, a regulamentação do tema, desde a criação da contribuição, tem sofrido com a esquizofrênica relação entre INSS e Receita Federal, que adotam entendimentos diversos sobre a matéria.
Explico melhor. Historicamente, a previdência social, em especial após o advento da Lei 9.032/95, trouxe forte redução na concessão de aposentadorias especiais. A mudança, em grande parte correta, visava impedir benefícios a profissionais que, apesar de desprovidos de qualquer real exposição a agentes nocivos, obtinham o benefício por pertencer a determinadas categorias profissionais.
Desde o advento do referido diploma legal, a regulamentação previdenciária, por completo, tem optado pela restrição do benefício a pessoas que, verdadeiramente, tenham suas aptidões físicas e mentais afetadas de forma mais severa pela atividade insalubre. Nada mais.
Naturalmente, sendo a atividade excluída da condição de especial, o adicional de contribuição seria indevido, pois o tempo de atividade especial compõe o aspecto material da hipótese de incidência da aludida contribuição. Em resumo, sem atividade especial, não há contribuição.
Daí, dois problemas surgiram nos últimos anos. De um lado, a Receita Federal, competente para fiscalizar e cobrar tais valores, desde a extinção da fiscalização previdenciária, adota, muito frequentemente, interpretações mais flexíveis sobre o tempo especial, emitindo autuações diversas para empresas cujos empregados têm seus benefícios negados. Dois pesos, duas medidas.
Para piorar, mais recentemente, o Decreto 8.123/13, em nova sinalização contraditória, aponta a possibilidade de contagem de tempo especial para agentes nocivos cancerígenos sob o enfoque qualitativo, ou seja, que não demandam grau mínimo de exposição. A simples existência do agente seria potencialmente suficiente para produzir a patologia e, portanto, não haveria nível seguro de exposição. Sendo assim, uma vez exposto, teria direito o segurado ao tempo especial.
Entendo que o Decreto 8.123/13 viola a atual redação da Lei 8.213/91, após a mudança da Lei 9.032/95, a qual, notoriamente, teve o intuito de restringir a prestação a segurados verdadeiramente inseridos em ambientes insalubres. Embora o tema comporte ampla margem de atuação infralegal, pelas complexidades técnicas envolvidas, a opção legislativa foi minimalista, como forma de preservar, indiretamente, os demais segurados, que seriam vulnerados pela escalada dos gastos com aposentadorias especiais.
Nunca é demais lembrar que a aposentadoria especial, mesmo nos dias de hoje, é, ainda, um benefício para poucos, em geral empregados de grandes empresas. Muitos profissionais liberais, especialmente em atividade de baixa especialização, têm forte exposição a agentes variados e nem por isso alcançam a benesse previdenciária. Ademais, reconhecer o direito a aposentadoria especial sempre que inexistir nível seguro de exposição seguramente produzirá uma corrida ao benefício, pois diversas profissões e pessoas, em suas vidas, são submetidas a agentes cancerígenos. Somente para exemplificar, qualquer trabalhador que exerça, ainda que limitadamente, atividades externas, poderá, em tese, postular o benefício, pois está submetido à radiação solar, a qual, de acordo com o INCA, é a principal responsável pelo câncer de pele.
A Administração Pública deve abster-se de transmitir sinalizações contraditórias em tema de tamanha relevância. Na atualidade, somente se consegue gerar expectativas indevidas e encargos fiscais inexistentes. Seguramente a sociedade brasileira não deseja arcar com benefícios precoces a toda e qualquer pessoa que tenha exposições pífias a agentes insalubres.