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Golpes milionários na Justiça.

Recentemente, com repercussão internacional e atuação da Interpol, foi noticiado um golpe milionário envolvendo escritório de advocacia do sul do país, com decretação de prisão preventiva de procuradores judiciais, “formadores de quadrilha que se organizou para se apropriar de indenizações de clientes em processos judiciais”, de acordo com publicação da área jurídica.

Nos últimos dias, mais outro espantoso golpe contra pessoas simples, desta vez em 107 processos judiciais de pescadores pobres do litoral paranaense. Indenizações esperadas há mais de dez anos, entre R$ 7 mil a R$ 40 mil cada uma, determinadas pela Justiça, decorrentes de acidentes ambientais, foram sacadas da conta dos pescadores por procurador judicial, há quase um ano, sem conhecimento dos titulares, gerando descrença e revolta.

Em todas as atividades ocorrem desvios. As ilicitudes de alguns não podem ser imputadas às instituições ou generalizadas para os profissionais da área. Entretanto, a repetição de golpes milionários, como tem reiteradamente acontecido, mais os pequenos desvios não noticiados, pedem um olhar atento para o problema, que parece apontar para uma grave falha no procedimento de pagamento dos créditos judiciais, afetando a própria imagem do Judiciário.

Em todos os casos, a procuração judicial está no centro do imbróglio. É costume generalizado constar da procuração judicial, além dos poderes suficientes para propor ação judicial, defender o cliente e movimentar o processo, também poderes especiais para receber valores e dar quitação, verdadeiramente desnecessários para normal e plena representação processual.

Em demandas repetitivas, captadas em sindicatos, associações e movimentos sociais, procurações prontas podem ser assinadas na suposição de que todos os poderes constantes do texto são necessários para o processo, inclusive os poderes para receber valores e dar quitação. Pessoas simples, ou sem conhecimento jurídico, dependentes, não têm força suficiente para excluir da procuração judicial poderes especiais para receber e dar quitação.

Os processos demoram, empresas fecham, as pessoas mudam de cidade, perdem o contato com o procurador judicial ou falecem, extinguindo a procuração ou, no mínimo, enfraquecendo a legitimidade dos poderes especiais para receber e dar quitação. O pagamento é o ato mais importante do processo, é a realização final do direito reconhecido judicialmente. Deve ser transparente e cercado da maior segurança.

Com base nesses poderes especiais para receber e dar quitação de valores, geralmente constantes no texto da procuração judicial, destaque-se, desnecessários para plena representação processual, muitas vezes são autorizados pagamentos ao procurador judicial, no final do processo, anos após a assinatura da procuração judicial, permitindo espaço para golpes milionários.

O Estado tem o monopólio do processo judicial e obrigação de realizar exemplarmente os serviços de justiça. Por consequência, tem o dever de instituir procedimentos seguros para pagamento dos créditos judiciais e exigir o efetivo cumprimento pelos seus agentes, inclusive dos bancos depositários, sob pena de poder ser responsabilizado por desvios decorrentes de omissão ou procedimentos insuficientes.

A expedição de autorização para levantamento de créditos judiciais em nome do respectivo titular e, nos casos de representação, a exigência de procuração recente, específica para levantamento do crédito judicial, indicando o banco depositário, número da conta e valor, é providência que conscientiza o titular da verba, legitima o pagamento, protege eventuais sucessores e menores, ajudando fortemente a evitar golpes milionários como os ocorridos.

O Conselho da Justiça Federal, recentemente, confirmou posição a respeito do assunto. Com base em Nota Técnica, assinada em 8 de maio de 2013, a Corregedoria-geral da Justiça Federal determinou aos bancos depositários de contas judiciais federais, precatórios e requisições de pequeno valor, a exigência de procuração nova e específica, nos moldes exigidos para as demais contas bancárias, independentemente da existência de procuração judicial do processo.

O Grupo de Trabalho sobre Precatórios na Justiça Federal, responsável pela Nota Técnica acima mencionada, concluiu que o procedimento acima é o mais adequado sob o ponto de vista da administração da Justiça e dos interesses das partes envolvidas no pagamento dos precatórios e requisições de pequeno valor, não embaraçando o exercício dos direitos dos advogados.

A questão, encaminhada no âmbito da Justiça Federal, entretanto, envolve todas as demais esferas, especialmente a Justiça do Trabalho e as Justiças dos 26 Estados da federação, todas com relativa autonomia sobre o assunto. Parece evidente a urgente necessidade de normatização nacional impositiva e uniforme sobre o assunto, determinada pelo Conselho Nacional de Justiça, garantindo procedimento de pagamento seguro em todo Judiciário, assim evitando desvios de créditos judiciais dos jurisdicionados e golpes na Justiça.

José Jácomo Gimenes e Marcos César Romeira Moraes são, respectivamente, professor universitário e juiz federal no Paraná; e ex-promotor de Justiça e juiz federal no Paraná.

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